segunda-feira, 28 de novembro de 2011


O MARINHEIRO
W.B. Leal


Outro amigo telefona com notícias do mundo.
Ele não diz - os amigos são donos de toda delicadeza -
mas sabe que definitivamente sou um homem
do século passado. Gosto da voz no telefone, do fio
que carrega a emoção até o rio onde nossas vozes
se encontram. Gosto de pensar que assim como
os livros, os telefones nunca serão esquecidos.
Hoje a voz de Montserrat Figueras calou para sempre.
Eis a data deste poema, eis a datação de uma perda e
de uma tristeza. Não sabemos por que sentimos a dor
que parece não nos pertencer, a falta de uma existência
que apenas a arte nos faz comungar quando reúne
num mesmo amor a presença, a distância e a ausência.
Agora os dias terão o silêncio que uma nova música
não saberá preencher. Mesmo os amigos com quem
não convivo, aqueles que ainda morando na mesma
cidade do Rio de Janeiro não costumo encontrar,
permanecem comigo em meu cotidiano abstrato
a cerzir os vazios que são inundações de lembranças.
Nem a mais pública de todas as vidas terá tantos
passageiros quanto o navio de minhas faltas, o navio
no qual sobrevivem esperas e invenções, ausências e
suposições com as quais desenho cidades e países.
Sou o vagabundo que inventa o seu mundo, o marinheiro
da cantiga catalã que agora escuto com Arianna Savall.
Eis o ramo de flores que deixo sobre a lembrança de Montserrat
Figueras. El Mariner navega a minha casa e chega até onde
estou ancorado. E imóvel eu danço. E canto sob a sua noite.

WBLog

quinta-feira, 24 de novembro de 2011


A TARDE
W. B. Leal


Na mesa do Café onde quase semanalmente
encontrava os amigos, a moça perguntou
sobre música e poesia enquanto algo marcava
o turbilhão de ruídos dos frequentadores.
Eu expliquei que não há ordem em minhas
leituras, que tento transformar meus poemas
num diário esparso, e em minha casa há tantos
livros semeados em cada canto que há sempre
um reencontro, um susto, uma recordação.
Enquanto lia hoje, eu lhe disse uma vez, escutava
os Prelúdios de Debussy, mas todas as noites leio
ouvindo o piano de Lizst, e ela perguntou quem
seria o meu preferido, e eu disse não há garantias
para uma resposta cuja pergunta é tão perigosa,
mas em minha casa Beethoven está sempre ao lado
do que me faz companhia, como uma lembrança
faz companhia, um livro lembra outro livro.

Estranha memória que em tudo amarra nomes
e histórias de existências vivas ou mortas, passagens
que renascem apenas nesses instantes.
E penso nos antepassados que não conhecemos
e lembro os nomes de William Carlos Williams e
Wallace Stevens, tão sempre perto de mim
como Rimbaud e Borges e Drummond.

Ainda ontem eu lia A Casa de Papel e pensava em todos
aqueles nomes pregados nas paredes, enterrados
no chão daquela praia, e via ali a casa que eu sou
e que também vai se apagando, se reconstruindo,
se erguendo e demolindo com lembranças e
esquecimentos. Neste momento, por exemplo, isto é apenas
um poema no meio da tarde, e agora uma ambulância
estaciona sobre a calçada - quem estará
morrendo? será aquela senhora que não conheço e
sorri quando me vê? - e a sala é inundada pelas
sequências iluminadas da Oitava Sinfonia
de Beethoven que a moça do Café disse
nunca ter observado apropriadamente mas
prometeu escutar outra vez.

WBLog

quarta-feira, 9 de novembro de 2011


ESTE DIA
W.B. Leal

Acordas da página para o seu vazio sagrado.
Olho que se ergue sobre os olhos da casa,
onde não há voz, distância ou leitura,
onde somente preocupa-se o tempo
em recolher as correias de sua carroça de plumas,
reerguer suas rodas sobre a esteira da terra,
rever seu engenho, que nunca se quebra
ou esquece - o tempo apenas reconhece -
e há apenas a noite e sua sacola de cinzas.

Acordas para o espaço que cabe em mim
como um castelo de infância,
para uma história de infância que não
a minha - esta serpente de vidro
numa garrafa de prata -
para a largura do dia aonde cresce a estrada,
para uma vila ou uma estrada por onde
passam todos os dias e há apenas a noite
e seu escudo de luz na garganta do céu.

Acordas ainda para a lembrança que
em mim é como um carneiro e sua casca de laços,
vago e azul sob o amor que fabrica
e que também é primavera:
de minha cidade abençoo as bandeiras
desse cortejo de línguas, e lento e interminável
alimento com música a alvorada de cores.
Em meus mapas não há outro nome
que este símbolo azul.


WBLog, in Os Círculos Imprecisos, massao ohno editor, SP, 1994.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011


RIBEIRÃO
W.B. Leal

Como o verão que
acende seu fogo nas
madeiras do calendário,
o teu corpo é a praia
onde dança a alegria.

Os dias escorrem
na transparência do relógio de vidro,
e doce e amaro
o teu nome guarda a bandeira
que a minha lua alcança.

WBLog

AINDA SOMOS BÁRBAROS
W.B. Leal

Enquanto nos parques de Quebec e Toronto
meninos disputam jogos eletrônicos e desejam
atualizações para seus telefones de última geração,

enquanto nos escritórios de Wall Street e
da City londrina operadores trapaceiam
para vencer a fome de seus lucros irreais,

enquanto nos laboratórios de Seattle e de
Paris cientistas buscam a cura para a sede
e o descontrole dos mosquitos da África,

nas feiras públicas de qualquer cidade muçulmana
homens compram e vendem cabras, vacas e
camelos para o sacrifício da festa religiosa Eid ul Adha.

WBLog

terça-feira, 18 de outubro de 2011


O CADERNO DE VIDRO
W.B. Leal


De sonho e de saudade a vida é feita.
E de silêncios, portos de chegada,
certezas e invenções que também são
o amor. Na madrugada dessa chuva,

o idioma da água me confirma
que só a tua mão é companhia,
que a estrada é o argumento para aqueles
que, perto como o dia que ora nasce,

têm só essa janela por distância -
essa janela onde a chuva escreve
e se repete em má caligrafia:
de sonho e de saudade a vida é feita.


WBLog

domingo, 9 de outubro de 2011


A BANDEIRA
W.B. Leal

I

Quando falávamos, sabíamos que a distância
era um passo a ser vencido,
mas todas as estradas não seriam maiores
que a pequena palavra que reacende o mundo.
Éramos então como um livro que aos poucos despertava
quando era tocado pela lembrança do outro.
Planejávamos a costura dos nossos desejos como
se desfaz um bordado e tudo precisa ser unido outra vez.
Eu contava os minutos em cada incêndio do sol
enquanto ela abandonava festas para escrever notícias
que me deixavam feliz como quem recebe um aceno.
As noites voltavam a ter sentido, a distância
encolhia seus braços e o meu corpo recobrava
o seu ritmo, o timbre da alegria que prenuncia uma dança.

II

Agora era o domingo a preparar com seu desenho
as colunas de uma enorme construção. Cinco dias
não são cinco anos, mas vergam sob o peso do mundo
quando alimentam um único desejo. Sabíamos que a semana
seria uma corrente de barcos num rio seco e lento,
haveríamos de encontrar outros dons, outros caminhos,
e a nós caberia o peso da invenção.
Faltaria em tudo, porém, o que apenas a falta sabe reclamar.
Cada sentença que a fome proclamasse
seria acatada pelo meu exército, e como um menino
que derruba soldados eu avançaria sobre o calendário.
O corpo aprendeu a resistir,
pois como na história de todas as guerras
a paz da bandeira era a tradução do seu nome.


WBLog

sábado, 8 de outubro de 2011


SEIS DIAS
W.B. Leal

Manhã de sábado.
A cidade engole o mar.
Simples como um desejo
outra fome alimenta
o corpo que lembra.
Caberia a Schopenhauer
ouvir a música da vontade
na doçura da razão.



WBLog

sexta-feira, 7 de outubro de 2011


O SATÉLITE
W.B. Leal

Para ser completo, o meu espelho
pede a tua companhia.
Para que ele exista tu precisas
ser feliz.

Quando o tempo passar
marcando o caminho com
as fogueiras de nossas memórias,
saberás que um dia

foste amada como o pássaro
que da cozinha eu escuto
e o seu canto é o aroma
que sobre a mesa floresce.

O sol agora é a notícia
que prenuncia o verão. Mas as ruas
ainda estão inundadas pelo
outono que lava sua ferrugem.

Nessa cidade que é menor
que a beleza que me ensina,
recupero os sapatos que o tempo
perdeu enquanto te procurava:

na madrugada das calçadas
vândalos riscam as paredes
e escrevem nomes e desenhos
como testamentos do nada.

Em algum outro lugar um homem quer
uma mulher enquanto sonha:
a sua rede é o sorriso de um terraço.
A vida é aquele menino que

brinca e não sabe que
como uma pipa o tempo foge
e dissolve o fio que entre os dias
costura botões.

Talvez sejamos só
essa certeza que à beira do abismo
é a rouquidão do silêncio. Mas claro como o sol
o teu nome é a música que eu escuto agora.

WBLog

quinta-feira, 6 de outubro de 2011


AS LETRAS AMOROSAS
W.B. Leal


Ela diz que está feliz
e que espera.
O seu dia avança em incontrolável
medida
e num paradoxo de números
dissolve-se mais rápido que o rio de Heráclito.
De tanto desejá-la
em minha casa pararam todos os relógios.
Na tarde esmaecida do Rio de Janeiro
eu também sou a paisagem que se apaga.
Pelas ruas onde passo imagino alfabetos
espalhados nas calçadas -
cada pedra portuguesa é uma letra que está viva -
e como num milagre
sigo o desejo que sempre forma o mesmo nome.
Ela diz que está feliz
e que espera.
Eu continuo a leitura
do livro da cidade.


WBLog

terça-feira, 4 de outubro de 2011


DOIS
W.B. Leal


Penso no
tempo. Penso
na corredeira de
luzes
em que a vida e
os meteoros se gastam
enquanto riscam calendários e
desenham nomes.

Posso recriar
lugares com as
ferramentas
da invenção
ou planejá-los
nos mapas e nos números
que o outono apaga.

Mas, não.
Hoje eu planejo
uma viagem
que reconstrói as corredeiras e
projeta no espaço
a permanência que é mais
que a sua certeza:
uma cidade
será sempre o encontro
de dois desejos.


WBLog

domingo, 2 de outubro de 2011



A ESTAÇÃO AZUL
W.B. Leal

Quando for sob os nossos pés a calçada de uma outra cidade que nos fará lembrar da estação, seja a alegria que se escondia nos trilhos o amor a nos fazer companhia - a alegria do mar, sempre espuma e explosão -, e sua delicadeza que era cor em tudo.

Quando formos novamente uma cidade ou todos os desejos que criarão em nós países particulares para nossa sobrevivência - um estado diferente de ser futuro e passado, uma praia ou um cuidado -, sejam o dia e a noite nossos exemplos de luzes contra o esquecimento da vida, esta partida e este sonho, silêncio e festa.


WBLog by appointment to her love and delicacy.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

sábado, 17 de setembro de 2011


14 DE NOVEMBRO
W.B. Leal

Um dia é um
número,
um barco feito
de nomes e
lugares
imaginados como
certos - rio de
cachoeira -,
às vezes um
começo.

Um dia é seu berço no
sol da manhã,
infância
na tarde morna e
fogueira do amor
ao anoitecer (o peso
do sonho
nos acorda
quando chega
a madrugada).

Um dia é
um calendário
inteiro
em sua melhor
primavera:
um dia é uma semente,
um verão, uma
centelha,
um dia é uma
lembrança eterna.


WBLog

quinta-feira, 15 de setembro de 2011


ESTE DIA
W. B. Leal

Como se pisasse
a neve
o dia que passa
lá fora,
como se um arco
tocasse uma corda
nesse verso
que risca o papel,
componho o meu poema
com a mesma esperança
que inundava as noites
de Nuremberg,
embora as minhas distâncias
sejam menores
que as de Pachelbel.

WBLog

domingo, 21 de agosto de 2011


poema do amor melhor
w. b. leal


com você
eu construía
uma ponte
eu abria
uma
estrada
eu seria
um par ou um

ainda
sendo
nós

com você
eu teria outros
planos
outros nomes
seria um lugar
do mundo ou
no mundo
onde só
se ouvisse a voz
do silêncio
e o silêncio seria
o mar
numa foz

com você
eu seria
quem sabe
mais
sábio quem
sabe mais velho
mais
doce quem
sabe seria
outro
espelho e
outra maneira
de ser
dois


WBLog

sábado, 20 de agosto de 2011


SCHEDULES
W. B. Leal

tente o resgate
nos horrores do passado

e pessoas
e números

liarão peças
e acontecimentos históricos

de vida estoica
como um reide

um avanço de aceleração contínua
sobre o tempo

uma mulher
lugar do mundo

pronto a amar
um homem

outorgando países
de olhos marinhos e

peixes aprisionados
buscando eternamente

a congruência de números
teoremas e saltos

sobre a frequência do que chamamos saudade
esta palavra estéril

sem paralelo no pulso anglicano
sem recordarmos

após alguns anos
os endereços

os nomes que pouco atribuimos voz
e gravarmos longamente o riso

frases ou carta
dificilmente acorde

com todo um dia
senão pelas muralhas

que cercam as horas
quando ninguém pode prever

uma mulher apaixonada
uma ave morta sobre a paisagem

a tela tomada por impulsos
virgens como tudo

novo
ideia e aço

no óbolo
que erguendo a estátua

estua
têmperas e vidros

antitérmicos
como deveriam ser os olhos

por uma mulher em chamas
estupidamente lesa

marcando a cada passo
a ponte

entre o tempo e a reta
que se desloca ilesa

como um homem duro
somente à sua parte

gelo
gesso e uma película

antioxidante
como o mundo novo

tudo evita
como tudo

evita o mundo do passado
não podemos nada recordar

senão quando pelas muralhas
do tempo de novo

desabamos
extensos como extensos

Schedules
em reuniões de bichos

sem segredos
como

o peito só para o seu dono
só olhado por trás

como inimigo
de lentes antitérmicas e

armações antioxidantes
por mulheres que não morrem

e engravidam
para a sorte de uns e o infortúnio

dos balanços e estatísticas
passado que só a história

pode presumir
com dados compilados e

suposições lógicas
Lógica

mulher e flor
símbolo e vestimenta

dores nos edifícios
da Forth

Avenue
asfixia e indolência

nomes do passado
gelosia e tempo

e a morte com seus braços
dorme sobre livros

derramados sobre a luz
que tece

a busca do homem
a vã cosmogonia

que agoniza lentamente
como a luz

no seu passado
achada à fuga de um carneiro

cósmico
signal

dos tempos em que não há


no abismo entre os passados
dessabidamente sinos

fundos como
um persa sobre a praia

a recolher cascalhos de pouca
simetria

com os astros
que no passado muito mais

tinham o brilho de olhos
de mulher fechada

como espelhos
em que se miravam

buscando o tempo
por onde passar

privando de tudo o treino
da luz e do passado

que provêm ao mesmo fim
dissoluto arrebatar

de morcegos doentes
aquelas que vêem

as maldades dos homens
duros como o gelo que

se desloca como um peixe de gesso
ao resgate duma constelação de trenos.

in O Aedo, 1989.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011



BRINQUEDO
W.B. Leal

Deixaste teu brinco
no meu pensamento,
um elo de prata
no espaço e no tempo,

um arco que marca
as voltas do vento,
ou concha que ouve
meu fino lamento.

Deixaste teu brinco
no meu pensamento,
na fome do corpo
da orelha que invento.

in A música da luz, 1997

sexta-feira, 5 de agosto de 2011



RETRATO DE COPACABANA
W.B. Leal

No fim da tarde,
a praia é tomada pelo descanso dos pombos.
A areia acende o espelho
que a luz deposita em cada ave.
Imitam lanternas
seus reflexos indefiníveis,
e carregam, na direção que apontam,
o arco da praia,
a máquina crepuscular da antiga hora.

Os pombos na areia
medem o pulso do estômago do escuro.
Vistos de longe,
são a explosão da pupila no movimento do branco.

Na calçada, alguns abandonam
o bando, perseguem as fêmeas - fustigam
o chão riscando intenções -
e num salto de caça,
encontram na cópula o instinto da fuga que subvertem.

À chegada da noite,
os pombos exibem a coreografia do espanto,
e o voo é um leque
sobre o peito pálido do mar.

in Os ritmos do fogo, 1999.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011


CELEBRAÇÃO
W.B. Leal

Dentro da noite,
como esta mão
dentro
de outra mão,
o tempo canta o seu silêncio.

Não o silêncio
da palavra -
de garbo
e definição -,
mas um canto
sobre o que, na distância,
se alimenta ao vencê-la -
estro e ruptura
de uma multiplicação inifinita -
sombra que sustenta
o peso da luz.

Nesta mão de abstrato instrumento,
de ritmo claro
como o pulso do céu,
ouço o equilíbrio
que sobre a vida constrói
o seu impulso - peso e leveza
de todo princípio -
barco que conduz
a algum centro
o sentido de tudo.

in Os ritmos do fogo, 1999.

terça-feira, 2 de agosto de 2011


ENDEREÇO
W.B. Leal

A cidade que perdemos,
não será outra,
dorme em nossa infância.

Do outro lado da rua, como do outro lado
do mundo, fala-se um nome que ouvimos há muito.
Ali,
jarros com o perfil do silêncio
quebram-se em luzes, alimentam o tempo,
recompõem o destino de alguma existência.
A rua, como uma olaria,
transporta o passado à sua eterna
submissão - o tempo presente -
e tudo respira o seu éter, reconstrói
o seu sonho, habita o mistério
que ferve em cada olho.

Nas calçadas, a miséria ainda
sangra o seu bálsamo escuro. Alguns desconfiam
que não poderão esperar - o passado lhes pesa,
e pesa a ausência
que se acostumou a não ter.

Em nossa memória serão construídas
novas cidades, mas tudo, no fim,
será um único retrato.

Alguma paisagem será vista. O que perder-se
habitará a resignação de nossas acomodações,
o solo de nossos mais profundos medos,
o comprometimento com o que, para nós,
não foi permitido.

A rua permanece com sua coreografia de caminhos
a ouvir daquela senhora uma nova pergunta.
Em seu corpo há uma dúvida que a rua
não pode apagar. O seu destino é outro,
como outra é a multiplicação de janelas
que não se abrirão para o seu espetáculo.

A rua e o tempo são esta senhora que procura.
Na olaria,
sua resposta é a cabeça
em que respira a luz.

in, Os ritmos do fogo, 1999.

domingo, 24 de julho de 2011


A MÚSICA
W.B. Leal

Quando tocava aquela música
na surpresa antiga dos dias,
eu me perguntava por que,
ou com que propósito, enfim,

a lembrança sempre trazia
com a sua nítida imagem
também o som do riso, o cheiro
da pele como coisa viva,

e tudo voltava somente
porque essa música dizia
que não, nunca haveria alguém
como ela, nunca, e repetia.

Como poderia, eu não sei,
alguém lembrar dessa maneira
de outro alguém que sequer sabia
da frase surda de tal música,

mesmo porque, no nosso tempo,
tempo em que vivemos como um,
aquela música não existia.
Fico pensando noutra música

que, mesmo sem a conhecer,
também passe por ela e diga
o mesmo. Talvez, finalmente,
o melhor será começar

tudo agora, viver de novo
a vida e encontrá-la pela
primeira vez, aí então
ouvir a música. Ou não.

WBLog

sábado, 23 de julho de 2011


LIRA
W.B. Leal

Se contrair a paixão,
há de cortar-se uma mão,
que alveja o branco dos olhos
como o fogo os santos óleos.
Amar demais é ser menos
no espelho que nunca vemos.
Quem dera dela fizera
só um meio da quimera!
Doce verso, árduo ingresso,
ao pecado controverso:
amor, pecado dos mortos,
que vivo é ser como os portos,
absorto aberto destino
que se encanta como hino...
Meninos são quais palhaços
sempiternos como os laços,
dura dor que sempre aninha
outra vida e não a minha.
Querer ser rei como os astros
que por súditos têm mastros,
velando as cartas de amor
que se esquecem num vapor.
O mal do bem não tem fim
se o amor é como em mim.

in O Aedo, 1989.

FÊTE
W.B. Leal

A oratória é uma chávena servida por deus e pelo demônio. Poetas reinam com colares de intestino delgado, há fama e fumo para após as refeições. O idioma da pátria é uma ilha que as asas dos gênios aniquila e a urbe está plena de salas vazias e poucos humildes à porta. Poucos mendigos versejam quixotes dourados. Senhoras comentam sobre a última peste. Doutores concordam e riem, como hienas em hino. Há portas, palácios e papéis a desempenhar. Absorvemos a cultura de um ocidente distante. Somos loucos à margem, démodèe. O status engorda, e a sociedade mantém o descanso aos domingos.

WBL, in O Aedo, 1989

quinta-feira, 21 de julho de 2011


O TAMBOR
W.B. Leal

Estranho relógio
que o peito proclama,
no corpo que cresce,
um corpo reclama.

Estranho relógio,
reverso da trama,
o tempo que conta
é o mesmo que engana.

Estranho relógio,
tambor que me chama,
no corpo que engole
recria o que ama.

in A quarta cruz, W.B. Leal

sexta-feira, 8 de julho de 2011


OS HOMENS DE PEDRA
W.B. Leal

Na rua molhada, sob a chuva que dança
tocando as janelas,
uma mulher está parada e olha o céu.
Enquanto escrevo o meu poema,
talvez ela sofra por um amor perdido,
talvez se lembre do seu luto, de sua razão, do seu abraço;
enquanto escrevo o meu poema, neste momento
em que a cidade escurece no frio da tarde,
um homem sonha uma ponte e um menino
atravessa a rua que um dia tocará aquela ponte;
outra mulher abre a porta de casa e
mais ninguém - ela pensa - navegou como ela o oceano da noite;
enquanto escrevo o meu poema, um homem talvez construa um barco,
outro homem, quem sabe, amanhã o navegue,
e ainda um outro, em algum lugar do mundo,
vê nascer uma criança que um dia cruzará o oceano;
(noutro ponto do país há um homem que nunca viu o mar
nem jamais irá tocá-lo, embora sonhe com ele);
enquanto escrevo o meu poema, um soldado
reinventa a alegria de um hino,
um exército comemora sua vitória e um homem sozinho
não desistirá da bandeira que representa uma mulher;
enquanto escrevo o meu poema, um homem cego desenha uma casa
e um homem do campo, que sequer estudou as palavras,
constrói o seu palácio com pedras e madeiras;
enquanto escrevo o meu poema,
uma mulher costura o vestido com o qual casará sua filha,
um menino chora o pai ainda sem túmulo,
e um poeta se apaixona pela primeira vez
e o seu amor será também o seu primeiro sofrimento;
enquanto escrevo o meu poema ou enquanto alguém o lê,
a vida escorre como a luz em minha janela,
a luz que chega dos homens que um dia acenderam a primeira fogueira.

WBLog

quinta-feira, 30 de junho de 2011


O DEFUNTO MUSICAL
W.B. Leal

Determinou em testamento que, para o seu velório, fossem providenciados um pequeno serviço de atendimento com manobristas, um buffet de salgados e doces feitos na hora, sucos de frutas, vinho tinto e, com ênfase contundente, que durante todo o tempo de exposição do seu corpo fossem tocados os seis Concertos de Brandemburgo, de J. S. Bach. Essa história teria dois finais. No primeiro, o número de amigos, conhecidos e curiosos seria tão grande que, devido à lotação da sala de cumprimentos e a consequente impossibilidade de acesso de todos à beira do caixão (onde o corpo se encontraria nu, entre rosas), o velório teria sido prorrogado em mais um dia, e, num terceiro, seria cobrado ingresso para tentar frear o público, pois, junto com as rosas murchas, o corpo já começava a cheirar mal. Na segunda hipótese para o fim dessa história, uma derradeira cláusula no testamento - a que pedia um número reduzidíssimo de pessoas durante as exéquias - teria sido curiosamente atendida, ainda que de forma involuntária, à risca. É que, devido à ausência de qualquer amigo ou carpideira para velar o morto, a rápida cerimônia teria sido assistida apenas pelos manobristas (todos de luvas brancas), pelos três garçons (impecavelmente vestidos de negro), e pela pequena orquestra de câmara que executaria apenas os três primeiros concertos de Bach. Isto porque o primeiro violino teria sido avisado, ao término do terceiro movimento do segundo concerto, de que o cheque deixado pelo defunto não tinha fundos.

WBLog

quinta-feira, 16 de junho de 2011


ORBE AMOROSO
W.B. Leal


Como um cão que
morde o rabo
girando enlouquecido
no sentido do relógio,
o tempo arrasta os dias em
seu lento necrológio,
e os amores
se renovam entre uivos
e rosnados.


WBLog

domingo, 12 de junho de 2011


ENCONTROS
W.B. Leal

As pessoas
nos inspiram.
As pessoas nos
respiram.
As pessoas
piram.

WBLog

quinta-feira, 9 de junho de 2011


POEMINHA À TOA
W.B. Leal

Se o poema te pede
o trabalho da existência,
a vontade se impõe
sobre a mão da experiência.
A precisão da falta -
o arrasto do ponteiro
no correr das horas - e
o olhar que vê o mundo
do teu lado de dentro,
é tudo o que precisas
para o poema que te habita.
Outro jeito de existir
é o que o poema te pede:
ouve a música que se esconde
nas palavras do teu dia,
lá está o velho barco, lá
está a poesia.

WBLog

terça-feira, 31 de maio de 2011


DOUBLE LETTERS
W.B. Leal

Tem coisa que de tão bonita incomoda de se ver.

Por que essa beleza faz mal?

Porque, ao ser vista, a coisa bela alcança o que na vida nem sempre é de forma tão contente, nem sempre é tão de sonho, nem sempre é tão real.

WBLog

sábado, 28 de maio de 2011



ACALANTO
W.B. Leal

para Dayse Luna, feliz.

Enquanto estiveres triste,
mas triste de não ter jeito,
evita as danças, as ruas,
as cantigas de festejos.

E quando assim estiveres,
tão triste de te dar dó,
escuta as músicas tristes:
mais não hás de entristecer.

Pois nas coisas muito tristes,
mais que na tua tristeza,
há alguém triste contigo,
como um anjo ou um amigo.

Wblog

sábado, 7 de maio de 2011


IN MEMORIAM
W.B. Leal

Porque eles não viam o tempo escorrer tampouco lembravam que os relógios poderiam arrastá-los como rios de dias e distâncias, e levá-los em sua roda, afastados, para o escuro de um outro oceano. Muito tempo depois eles se perguntaram: e se o amor não soubesse que ali, naqueles dias que vibravam como um cio, e se o amor não intuísse que assim como a terra o seu corpo também poderia secar, e nele o fogo, que um dia fora paixão, apagar sua lavoura colhendo apenas lembrança? Assim passaram os anos e como numa terra devastada a semente daquela consciência lentamente acordou, e renasceu um silêncio inundado de verde, um sorriso recortado de vontades quando a dança e a poesia foram cada gesto que na noite da distância também eram estrelas. Hoje é madrugada. O tempo reencontra janelas e a antiga fome é essa luz em que o mundo é sua casa.

WBLog

quarta-feira, 4 de maio de 2011


AS REMINISCÊNCIAS
W.B. Leal

Quando a distância sufocava a alegria
marcando com sombras aquelas manhãs,
renascia o amor;

Quando a tristeza rompia a corrente
roubando-lhe a calma da antiga paixão,
renascia o amor;

Quando o silêncio calava com dúvidas
os tambores vermelhos das festas do peito,
renascia o amor;

E assim os dias construíam calendários,
e era dança todo desejo ou lembrança de sua luz.

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terça-feira, 3 de maio de 2011


A SEGUNDA MOEDA
W.B. Leal

Não é só a tua alegria de menina que dança
o que eu amo em ti,
mas também a fogueira de silêncios e tristezas
sob a cortina do teu riso;

Não é só a certeza vigorosa de tua coragem
o que eu amo em ti,
mas também os teus medos de mulher
em longas noites de abandono e dúvida;

Não é só a força dos teus músculos e vontades
o que eu amo em ti,
mas também a fragilidade dos teus sonhos,
que com a lição de seus mínimos gestos
ilumina o teu nome em minha lembrança.

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segunda-feira, 2 de maio de 2011



O QUE PASSA
W.B. Leal

Na calçada em frente ao mar homens e mulheres se cruzam. Alguns correm, a maioria caminha e está sozinha. Em que pensam essas pessoas que passam? Serão felizes? Ontem estavam tristes? Lembram de alguém quando olham a imensa pedra? Na areia da praia a onda bate e se apaga.

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terça-feira, 19 de abril de 2011


O PARQUE
W.B. Leal


Foi quando a falta inundou a distância que eles perceberam que seu peso era maior que a simples saudade. Eles relembravam calçadas, vitrines, parques e avenidas por onde dias antes derramaram uma alegria que apenas os corpos entendem. Mas os corpos não conseguem lembrar além da falta de calor, não podem curar a falta do amor que as noites consomem, a falta do riso que ilumina a fala, das mãos entrelaçadas que são muito mais que sua extensão amorosa. No entanto - eles sabiam - aquela cidade não seria mais a mesma depois das quatro noites reinventadas quase onze anos depois, e enquanto ela perguntava “você já se reacostumou comigo?”, ele sentia que o seu corpo nunca preenchera aquele vazio com outro corpo ou lembrança, e que a presença dela também fora a ausência que por tantos anos se multiplicara como um espelho dentro de outro espelho. Agora o silêncio inundava a distância que eles planejavam novamente apagar, e a certeza do outro era a alegria veloz das bicicletas do parque.

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terça-feira, 29 de março de 2011



A DANÇARINA E O POETA

W.B. Leal

A dançarina, um dia, propôs ao poeta: “Se tu me ensinares a fazer uma poesia, eu te ensino a minha dança”. O poeta, feliz por encontrar a dançarina, respondeu que, ainda que lhe ensinasse a poesia, não poderia dançar: “É que estou preso à liberdade, e isto não se pode ensinar. Mas vou te fazer um haikai”. E escreveu:

“Leve borboleta,
Asa e lagarta de flor:
Lembrança que leva.”

Não é fácil ensinar a liberdade, e para a primeira tentativa do poeta, a dançarina torceu o nariz. “Não é isso o que eu procuro”, ela disse, “preciso de um poema que não seja tão complicado”. O poeta, desafiado em seu orgulho e competência, antes de voltar a escrever começou a desenhar. Queria ver a forma antes da palavra, a ideia antes do intento. Num minuto, tinha a nova criação:

“Beija-flor parado,
o leque o olho não vê:
gesto e sentido somados.”

Mais uma vez a dançarina não se satisfez. “Ainda não consigo entender”, ela disse, cabisbaixa. “Não escrevas sobre coisas tão difíceis!” O pobre poeta, já meio sem jeito, olhou encantado para a dançarina e respondeu: “É que estás presa ao que não podes mais ver, e assim nenhuma palavra poderá traduzir o que eu sinto, pois eu sou livre para criar o que tu não podes compreender...” E logo disse: “Mas acho que já tenho uma ideia, e mesmo que a falsa liberdade dos teus movimentos te impeçam de entender a verdadeira liberdade, vou tentar mais uma vez!”. E o poeta escreveu:

“Salto sobre o rio.
O tigre acorda o espaço.
Tudo é ponte e passo.”


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quinta-feira, 24 de março de 2011



PAS ICI
W.B. Leal

Quero que saibas, dançarina,
que enquanto os relógios constroem distâncias
e os dias desatam os laços de tantos amores,
a tua lembrança permanece em mim,
grande como os teatros do sol,
clara como a lua que dorme em teu corpo.
O teu amor é este universo de luzes,
e a tua alegria é música e razão.

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sábado, 5 de março de 2011


AMOR E CHOCOLATE
W.B. Leal

O beijo do encontro na rua ao lado Chocolate ao leite com recheio molhado O toque da pele e a delicadeza da saudade Morangos inteiros e chocolate amargo As mãos entrelaçadas pela paixão reencontrada Chocolate negro iluminado por amêndoas A alegria do ouro com a lembrança de Istambul Chocolate com pistache e fios de laranja Turquesa de Murano em pingente de Veneza Chocolate branco com crocante e recheio de avelã Dois corpos em chamas sobre a calma dos lençóis Chocolate levemente amargo com cerejas e um traço de branco Gemidos úmidos em silêncio comungados Trufas de chocolate ao leite e barras de biscoito mergulhadas em negro A permanência do amor num único êxtase E uma última gota sobre a pele.

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quinta-feira, 3 de março de 2011


O ACENO
W.B. Leal

Quando o azul se cobria de sol, sua lembrança era o incêndio de todas as safiras, Da varanda alta, nas manhãs diante do mar que como uma árvore balançava cem mil garrafas, o seu aceno era uma carta para o náufrago faminto, e sua mão era tocada, de muito longe, como um beijo beija a boca que também é alimento, Um minuto depois, caladas as árvores nos estilhaços do mar, ele repetia o seu nome relendo-o nas paredes da casa e cada letra traduzia um desejo onde tudo era véspera, Assim, quando a tarde descosturava o calor para bordar a noite fresca, renascia o alento de seu mínimo gesto - o aceno da manhã - e outra vez era azul a sua lembrança.

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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011


MALADE POUR UN MOT D’AMOUR
W.B. Leal

Quando ele estava doente ela dizia Queria passar a tarde cuidando de você, e isto era como um bálsamo que lentamente curava enquanto ele ouvia o relógio construindo frases que pareciam repetir Queria passar a tarde cuidando de você, pois queria estar vivo para recomeçar o capítulo que só se escrevia com a presença dela, Os relógios são escritores cegos, dizia, Em seus livros o amor é sempre possível não importa a chuva ou a doença, e voltava a dormir sonhando com partituras e danças para uma única dançarina.

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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011


ORBE AMOROSO
W.B. Leal

Na véspera ela escrevera Estou morrendo de saudade, e ele pensou Temos fome do que não vivemos, sentimos os relógios pararem como se o peso de uma delicada lentidão enchesse o mundo do que é só ausência, sim, ela sabia que a distância era o fio que deseja ser quebrado e caberia aos dois este outro laço, desfecho de um segundo passo, alquimia amorosa que transforma a distância em alimento, a espera em aproximação, Eu conto os minutos como grãos de areia, ele confessou, espelhos de um céu apenas começado ou teto que será o universo quando sua presença for a minha casa, e ela sorria enquanto imaginava escrever Eu quero ser este céu mesmo que exista um milhão de estrelas, e ele então diria Tu és a minha estrela.

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sábado, 19 de fevereiro de 2011


O ARCO-ÍRIS
W.B. Leal

Sobre um dorso outro dorso, Corpo sobre corpo, Coração dionisíaco disparando o seu tambor, Ritmo entre o peito e as suas costas, Músculo aceso de extensão iridescente, Carne e caule feitos de sal e sentimento, Idioma sufocado sob as nuvens das fronhas, Ópera de amores cujos versos são solfejos, Palcos que ondeiam como se dois barcos se tocassem e o cais é esta cama, Tudo um oceano na mais alta das montanhas, Quando o horizonte se ilumina, Quatro mãos se entrelaçam e um gemido deflagra a explosão deste dia.

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domingo, 13 de fevereiro de 2011


SUR LE MOTIF
W.B. Leal


Naquela noite ele sentiu os cheiros que o contato íntimo lhe deixara, O seu corpo tem o perfume das flores, pensou, Cheiro que se guarda além do que é corpo enquanto O seu vestido traz a claridade dos laranjais, A espera sempre fora um rito, Cada segundo é um livro feito de espelhos e epílogos cuja razão também sabe um recomeço, e repetia Gosto do teu cheiro, O cheiro da tua pele molhada pela minha boca, Às vezes ela deitava na ponta dos desfiladeiros como se ouvisse a fragilidade do tempo, e prometia que em Junho, quando o inverno iluminasse o seu relógio, o equador seria a sua cidade, e nas linhas de sua mão ele enxergaria o diário em cujas páginas ela estava presente por três dias, A cidade então se acendia, As cortinas e os lençóis se pintavam em bandeiras, E outra vez era o rito, os espelhos, as flores e os laranjais.

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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011


CALENDÁRIO
W.B. Leal

Os olhos O riso O contorno da sombra no abismo do chão As janelas do abraço O endereço da casa que se abriu para a alegria O gesto que dorme em cada palco A coincidência do gosto O sabor para sempre guardado A manhã que nunca é cedo O carnaval interminável A delicadeza do que é dito O que o silêncio grita alto As distâncias que protegem O que é perto mas é falso O amor do que nos cura A tristeza do hiato A pétala que conta As horas Os dias Um passo

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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011


NOTURNO AMOROSO
W.B. Leal

Na minha ilha os dias são contados pelos barcos, dizia a carta, E os mortos reconhecem o inverno quando o vento chega tarde Como está a sua vida? Escreva devagar Conte-me alegrias Esconda uma tristeza A distância é esta árvore que na noite se agiganta E lendo cada linha ela sorria Paisagem no papel Horizonte com fumaça Para depois responder que sua lembrança era um rio permanente Quero que gostes do meu vestido Que saibas como sou feliz quando me olhas de perto mesmo longe Mãos dadas sobre a água Corpos juntos quando é noite Não importa a tua ilha Não importa a minha espera O vento Os barcos As ondas

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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011


LA FÊTE DU TEMPS
W.B. Leal

Um dia ela escreveu Eu te vejo sempre perto E ainda que o teu longe seja todo meu espólio Eu te guardo como uma chave Como uma carta Como uma coisa roubada... Ele agora sentia a impossibilidade de tocar as suas mãos sob as luvas do silêncio, mas lembrava que o tempo, como um vestido de festa feito de rendas e laços, não se apaga, não se apaga, não se apaga...

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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011


LES FLEURS DE L’AMOUR
W.B. Leal

O teu nome tem as letras que eu gosto, ele disse, como se fosse um amuleto de consoantes e vogais, um amuleto que lembra o amor como se fosse um canteiro... Então, quando era noite, ela costurava uma flor viva no decote delicado e saía para dançar, pois sabia que ele adorava reconhecê-la de longe, no meio da festa, espalhando o perfume que a flor esquecia para que ele nunca a perdesse de vista.

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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011



LES MURS ENCHANTÉS
W.B. Leal


Nos fins de semana havia um silêncio que inundava a cidade, um silêncio que acendia fogueiras toda vez que ela dizia A beleza também é uma lembrança Um jeito de acordar quando se olha, como se alguém lembrasse da casa em cujas paredes nasceram palavras, tudo de novo uma festa como na primeira manhã, e ele perguntava Lembras da sala onde os quadros eram livros que reescrevias, onde as paredes eram feitas de invenções e certezas, de coreografias e poemas? Hoje ela renasce a cada leitura de tua lembrança, e o silêncio é só o branco que aqueles quadros preenchem com o teu nome.

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