sexta-feira, 31 de dezembro de 2010


UMA PALAVRA NO MEIO DA NOITE ILUMINA A CIDADE
W.B. Leal

Uma palavra no meio da noite ilumina a cidade,
acende como um peixe o sonho do mundo.
Os telefones sempre souberam que o amor
é um som delicado, por isso se apressam
em trazer no meio da noite, com a urgência
de uma alegria, a palavra que beija.
Uma palavra no meio da noite ilumina a cidade,
acende como o fogo o coração de um homem.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010


NO TRIBUNAL, COM A CAIXINHA DE MÚSICA E UM POEMA
W.B. Leal

Juiz - O senhor tem algo a dizer?
Réu - Nada.
Juiz - Mas há uma acusação!
Réu - Culpem as usinas de luz!
Juiz - O senhor nega?
Réu - Não.
Juiz - Então o senhor reconhece que afetou toda iluminação da cidade.
Réu - Foi involuntário.
Juiz - O senhor chama isso de involuntário? Estamos em velas!
Réu - A cidade poderia ficar sempre iluminada, o senhor não acha?
Juiz - O senhor explodiu todas as lâmpadas, não sobrou nada!
Réu - Uma alegria ilumina o mundo!
Juiz - O senhor tem como provar isto?
Réu - Sim. Leia este poema, meritíssimo.

A BAILARINA
W.B. Leal

“Seremos sempre esse caminho, ela falou. Um espaço
preenchido por muros e desejos.” Mas ele nada sabia
do amor além da impossibilidade de uma montanha infinita,
de um rio do qual, pensava, jamais poderia beber.
“Um dia estaremos do mesmo lado desse rio, ela disse,
e alcançaremos o céu dessa montanha. A nossa bandeira
será cada dia, vencidos um a um.” Ele agora lembrava
os instantes em que todos os silêncios foram nascentes
de carinho e dedicação, e sua lembrança e sua alegria
eram os cuidados que lhe dedicara. “Você é a minha
música”, pensou. E a bailarina começou a girar.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010


A CAIXA DE PÁSSAROS
W.B. Leal

Naqueles papéis estavam escritas
cada vontade, cada falta, cada distância
que o tempo havia criado em sua
costura de dias. Em nomes e desenhos
foram depositadas as fomes que por toda a vida
habitariam calendários e entranhas,
compondo ou desfazendo, fio a fio, a certeza guardada.
Em cada linha, em cada forma, em cada cor,
a esperança dormiu como numa caixa de pássaros,
para então explodir, agora, numa festa de corpos e espelhos.
Ela era a certeza que cada pássaro levava
ao sair da caixa. Ele era o menino cuja alegria
era a casa toda.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010


A ESTRELA
W.B. Leal

Naquela noite, ele pensou:
“Nunca estivemos
separados”. E assim cada minuto
era a confirmação
de uma certeza antiga,
de um tempo
que estivera suspenso
como o corpo diante da beleza,
como os olhos
que olham de um balão.

Ela dizia: “Você não tem ideia
de como eu amei você”. E ali
também se confirmava
o amor presente, o amor
permanente
na continuação daquilo
que mesmo longe,
que mesmo cega,
ainda existe,
como a luz de uma estrela.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010


BRINQUEDO
W.B. Leal

Deixaste teu brinco
no meu pensamento,
um elo de prata
no espaço e no tempo;

um arco que marca
as voltas do vento,
ou concha que ouve
meu fino lamento.

Deixaste teu brinco
no meu pensamento,
na fome do corpo
da orelha que invento.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010


FESTA
W.B. Leal

Em tudo há ainda
a alegria que fomos,
e sob o medo do mundo,
das horas, da vida,
inventamos o que somos.

Somos a festa que deu certo
e ainda dança, o par
que nunca falta,
ou nunca esquece,
ou nunca cansa.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010


FANTASIA
dedicato
W.B. Leal

Constroem este poema
a tua palavra e o teu silêncio.
Estes elementos te relembram
no instante em que penso.

É corpo e surpresa
a tua escultura de fogo.
Em seu estudo descobri os caminhos
por onde a estrela recria
os teus inventos de luz.

(Ave e sentido era a fantasia
que a minha alegria encontrou.)

Enfeitas as horas
como uma cidade em festa.
Em mim é o teu pouso
a explosão deste dia.



MEMÓRIA
W.B. Leal

De cor,
só sei o teu nome.
Esqueço a cidade, as horas,
os compromissos da tarde,
para lembrar o teu nome
como a história de uma alegria.

De cor, só sei este nome.
Assim recupero a bandeira
que reclama a tua falta,
e remonto o cordão
que faz brilhar cada conta.

Em mim,
só guardo o teu nome.
Outras letras aprenderei
na infância desta palavra.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010


O ELO IMPOSSÍVEL
W.B. Leal

Como se fora ausente, e dura, e muda,
como se fora a asa que rompida apaga
a altura do sonho no desejo do voo,
como se fora pedra e peso, ou funda
meditação que ausenta de tudo o corpo
sendo só ausência sua consciência pura,
assim o silêncio inundado de portas e
distâncias nos anula, sem luz, sem nome, sem nada.
A sala preenchida por vultos e vozes
como longas partituras em branco
onde se avistam danças e desenhos
que são outra maneira de lembrar.
Ali, no papel reluzente como a janela
da lua sobre a água, resistem gestos,
olhares, feitos e sentenças livrando da vida
a lembrança encarcerada, o elo impossível
com o que é só ausência e nada pode contar
de um tempo já sem nomes nem calendários.
Como se fora ausente, essa coisa grita, e bate,
e fere, e agora a sua existência sentida
são os vidros da lua perdidos no mar.

sábado, 4 de dezembro de 2010


SEMPRE,
W.B. Leal

Já não importam os anos
ante tudo o que resiste
neste hoje que é meu sempre:
uma letra se descobre
a revelar um mesmo nome -
resiste o quando, insiste o onde,
iluminando nesse espelho
a eterna fome.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010


E SEMPRE
W.B. Leal

O poema deste dia
é a música que guardo
entre a chuva e a madrugada.
Na noite aberta, um madrigal de Monteverdi
recria um calendário antigo.
O tempo é esta chuva que revive.
Sua música - dizem - não existe mais,
mas enquanto a chuva cai
um nome é repetido em cada nota.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010


POEMA
W.B. Leal


Talvez não haja o instante exato, a palavra que diante do instante seja mais que o seu antigo significado, a coisa mesma, o sentido que de tão simples renove apenas a sua existência, e o relógio siga a sua contagem de dúvidas e confirmações no instante que pulsa, e esquece, e passa, e é.
Talvez essa repetição de uma coisa antiga que já tenha falhado, que tenha fixado na lembrança a possibilidade de uma outra existência, seja só esse pressentimento, e tudo seja uma sensação, uma asa de luz sobre a onda do escuro, e todas as ciências sejam elas, sim, as únicas possibilidades do sim e do não.
No quarto a música inventa uma etérea cidade. O silêncio protege o que ficou nos armários. Os velhos amores resistem, os novos se evolam, e a lembrança é um cálice sem par na prateleira. É o sono se aproximando do dia. O sono das horas. A noite dos desesperados.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010


O TEMPO, SENHORA
W.B. Leal


O tempo, senhora, é este papel.
Para os que souberam, como nós, sonhar a sua história,
nascerá sobre o branco o desenho de uma estrada:
o seu destino é um rio, ou um mar, ou um recomeço.
Na margem deste mapa dorme a praia
que guarda cada passo do que fomos ou vivemos.
Ali revejo o barco que percorre o meu papel,
e de papel é feito, como as nuvens e os pássaros
que escrevem o silêncio.
O tempo, agora, é este barco.
Os pássaros parecem pousados.
Por um instante se iluminam.
É outro dia.