segunda-feira, 28 de novembro de 2011


O MARINHEIRO
W.B. Leal


Outro amigo telefona com notícias do mundo.
Ele não diz - os amigos são donos de toda delicadeza -
mas sabe que definitivamente sou um homem
do século passado. Gosto da voz no telefone, do fio
que carrega a emoção até o rio onde nossas vozes
se encontram. Gosto de pensar que assim como
os livros, os telefones nunca serão esquecidos.
Hoje a voz de Montserrat Figueras calou para sempre.
Eis a data deste poema, eis a datação de uma perda e
de uma tristeza. Não sabemos por que sentimos a dor
que parece não nos pertencer, a falta de uma existência
que apenas a arte nos faz comungar quando reúne
num mesmo amor a presença, a distância e a ausência.
Agora os dias terão o silêncio que uma nova música
não saberá preencher. Mesmo os amigos com quem
não convivo, aqueles que ainda morando na mesma
cidade do Rio de Janeiro não costumo encontrar,
permanecem comigo em meu cotidiano abstrato
a cerzir os vazios que são inundações de lembranças.
Nem a mais pública de todas as vidas terá tantos
passageiros quanto o navio de minhas faltas, o navio
no qual sobrevivem esperas e invenções, ausências e
suposições com as quais desenho cidades e países.
Sou o vagabundo que inventa o seu mundo, o marinheiro
da cantiga catalã que agora escuto com Arianna Savall.
Eis o ramo de flores que deixo sobre a lembrança de Montserrat
Figueras. El Mariner navega a minha casa e chega até onde
estou ancorado. E imóvel eu danço. E canto sob a sua noite.

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