quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A LEMBRANÇA
W.B. Leal

O azul de sua lembrança descansa na noite que a minha fogueira alimenta.
É a lua o seu sino que se dissolve em manhã.

Ela é a dança e o céu de um jardim que suponho.
Cada letra do seu nome acorda o caminho onde começa a paz.

É doce a sua palavra. Por sua mão os pássaros retornam,
querem o tempo que outra estação inventou,

o leito onde lembram a liberdade que trazem. É a sua verdade
o que amo. O amor é a porta que a minha vontade concentra -

sua certeza é a hora se aproxima e bate.

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sábado, 27 de outubro de 2012


O PASSEIO
W.B. Leal

sobre o piso rendado das sombras do parque
ela passa

sua tarde é o caminho
que seu desejo recria
a música que ouve é o sorriso que esconde

por onde passa 
o dia é o registro das cores que acendem
sua presença é a beleza que tudo lembra

felizes aqueles 
que a viram passar


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segunda-feira, 8 de outubro de 2012


DANÇA PARA ISABEL
W.B. Leal

como uma dança secreta
que o corpo dança por dentro
uma fogueira em silêncio
sendo aos poucos descoberta

como um corpo iluminado
ou imolado de réstias
um corpo que dança em si
e no outro se completa

como uma dança que é pública
e o corpo em si a carrega
como uma dança de dois
que já fosse a própria festa


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terça-feira, 2 de outubro de 2012


VITRAL
W.B. Leal

estar contido como
estar 
presente
contido
como um ter interno
contido
como um ser
contente
contido como haver
maior quando se é
ausente
contido como um bem 
querer quando quer 
premente
contido como ser  
guardado 
contido como para
sempre


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sábado, 29 de setembro de 2012


A PONTE
W.B. Leal

uma palavra invade a
cidade 
e um homem se torna maior
como um rio que tem o seu nome

uma palavra inunda as suas 
margens
como uma avalanche de vida 
nas margens de um rio minguante

uma palavra reúne o que se espalha
entre um homem e os outros homens
uma palavra 
e sua potência de fome


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quinta-feira, 27 de setembro de 2012


A ÁRVORE
W.B. Leal

seja feliz 
seja feliz ela dizia
e como um pássaro
nascido na noite
recriava partituras e 
dava sentido às sombras 
no desenho 
das ruas

o catavento da lembrança 
agora gira
sobre a sua força 
e cada linha de sua 
delicadeza é música e 
dança
como uma casa onde 
há alegria

há algo de 
mar em sua grandeza e 
muito de árvore em 
sua profundidade
como um mar é 
perto e longe ou como 
uma árvore é a vida que 
se expande


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terça-feira, 25 de setembro de 2012


IPÊ AMARELO
W.B. Leal

uma árvore acende uma cidade
sua atmosfera é o sol 
que se ergue do chão
uma árvore ilumina um homem

(em cada traço de sua superfície
há em seu corpo um ipê amarelo

um corpo em sua fogueira acesa)

uma árvore 
desenha uma cidade 

uma árvore
aciona os dois lados da explosão 




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quarta-feira, 25 de julho de 2012

APONTAMENTO
W.B. Leal

Outrora era o tempo
a minha impossível história.

Vestia com datas
o casario das ruas.

Revia os caminhos
como não pode o relógio.

O tempo era minha surpresa antiga.

Agora é a sílaba
então revelada.

Não há a incerteza
que a história descarta.

O tempo é a volta
para sempre marcada.



in OS RITMOS DO FOGO, Topbooks, 1999.

quarta-feira, 4 de julho de 2012


VOLTA À CASA 
W.B. Leal 


Aqui onde o corpo 
é a sua casca preenchida, 
o velho jarro é o lado de dentro 
da antiga flor. 

Da janela vejo o dorso ajaezado 
de um elefante verde e pardo, 
e a Pedra da Gávea é o tempo 
que se move. 

Volta a paisagem 
ao sentido de seu ato, 
perpassa os caminhos da sala e 
tateia as costelas 
de cada livro.


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terça-feira, 10 de abril de 2012



A CONSTRUÇÃO
W.B. Leal


Sei que este poema não será
o teu retrato ou talvez sequer resuma
o que há de tanto e vasto em ti,
pois toda infinitude e toda coisa bela
não cabem nos jarros da definição.
O que alcanço, e isto é o que conta
para a minha lembrança, é a tua
grandeza de árvore sobre a montanha,
pouso de pássaros cujas asas
tocam as extremidades da delicadeza.
Em mim ainda vivem as possibilidades
que a tua elegância acende quando chegas,
e, quando não estás, é a certeza
da tua voz o meu melhor silêncio.
Então eu te guardo no coração deste
poema, e embora seja tua toda poesia,
assim será, ainda, e entanto, por tua
ausência, ou enquanto não te encontro
para a construção dos dias.

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quarta-feira, 4 de abril de 2012


O ESPELHO
W.B. Leal

Quando trago o dia claro,
e alto e azul
sou a multiplicação
que em tudo reverbera como
um rio puro,
é o meu amor que acorda a vida.

Quando, raro, a alegria
descansa
para num descuido
de criança sofrer
a queda do mínimo degrau,
é o meu amor que estende a mão.

Quando a dor é tanta
que parece riscar com a sua
faca a garganta embaçada e
tudo sente e sofre
a sua ferida,
é o meu amor - que é paz - a temperança.

O meu amor tão longe e tão perto,
tão corpo e sentimento nesta casa
que habita,
e sendo em mim
o seu espelho, é também
o seu reflexo.

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A BÚSSOLA
W.B. Leal

Se a tarde inicia a sua curva
e as luzes ensaiam
a ancoragem do dia,
é dela
a claridade que resiste.
E assim o pouso das asas, o céu
que recorta
a Pedra da Gávea,
e todos os mapas e distâncias
que o silêncio inunda com
seu ruído de faltas.
E então quando o mar é uma
estrada que aos poucos
se apaga, e como
um cão
ainda cava a areia da praia,
é dela o sentido da noite
que se espalha,
e tudo se move, e arde, e espera.

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quarta-feira, 21 de março de 2012


CÉSAR LEAL
W. B. Leal

Nasceu nos Inhamúns. Terra cortada pelo sol
como os círculos de um sonho. Mais tarde
seria Pernambuco a sua pedra fundamental,
e a poesia - arte onde deixaria o seu nome.

Dedicou a vida a expandir os mapas de
estranhos e personalíssimos domínios.
Cada dia, para ele, foi uma conquista de séculos:
o outro também era parte de sua construção.

Soube a poética dos números e reinventou
símbolos e teorias. Estudou a história e as
ciências do homem. Em seu sonho andou
por Florença a relembrar guerras, pois antes

ensinara aos imperadores infalíveis estratégias.
Traduzia poemas e decifrava silêncios como se o mundo
fosse a sua mão. Conheceu as estrelas e a música
do espaço - merecia o seu nome numa constelação.

Enquanto falava, o tempo também era poesia.
Ardia um brilho de incêndio quando seus olhos
eram a festa de suas descobertas. Seria íntimo
de Coleridge e Wordsworth se os tivesse

alcançado numa mesma sala do tempo.
“Parece-nos estranho - diriam os ingleses -
alguém de tão longe saber tanto sobre tudo”.
Eu o chamo de mestre. Com ele aprendi a lembrar.

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terça-feira, 13 de março de 2012


POEMINHA AMOROSO
W.B. Leal

Vou morder o teu pescoço
e lamber a tua língua,
como fazem os felinos
quando comem suas fêmeas.

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terça-feira, 6 de março de 2012


A URNA DESCOBERTA
W.B. Leal

Como um livro ou uma palavra
lidos para além do seu sentido,
a sua força também é sua casa -
uva no cacho, certeza do abrigo -
dona do sim na perda de um não.
Impossível descrevê-la então:
antes, diria, o que dela eu guardo
e levo e lembro é mais que alento,
luz na escuridão do dia,
ilha de sonho e de verdade
sobre o mar da fantasia.
Agora, talvez eu confessasse que
bastava o seu sorriso, um riso
e nada mais para no silêncio ela
tudo vencer, tudo conquistar
e o mundo inteiro ser feliz por ela ser.
Mais que uma mulher, ela é sobre
o nada o tudo que amanhece,
urna que um dia imaginei e a
resposta foi sonho e poesia.
Antes, quem sabe, aquele sonho
bastaria para o meu desejo:
a falta que faltava era também
reflexo de um espelho que eu não tinha.
Revejo agora aquele espelho
e o que eu encontro é um outro gesto:
todo amor também quer o seu inverso,
todo homem quer seu sonho, teme o medo,
o nome que se guarda em seu segredo.

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domingo, 4 de março de 2012


29 DE DEZEMBRO
W.B. Leal


Sua alegria
também é minha alegria.
Um riso seu
ilumina toda palavra.

Ela inventa um sol quando
é chuva o céu azul:
quando é noite ela acende
cada estrela.

É dela a força que o mundo
chamou de amor.
Eu sou o corpo
que multiplica este nome.

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sábado, 3 de março de 2012


AS ESTAÇÕES
W.B. Leal


Quando na cama vazia
deito sobre a sua falta
e a minha mão
alcança o corpo de sua lembrança,
relembro o calor de nossas
fogueiras quando
no quarto escuro acariciava
as suas costas e via
acenderem clarões na noite branca.

Mesmo quando adormeço sobre a
distância que nos separa,
na cidade tão longe e vazia que é todo lugar
sem a sua companhia,
ainda sinto o seu cheiro ou a tradução
impossível do seu perfume
na alquimia de fogos
e silêncios que resumem o amor.

Ela é a mulher que eu amo e
que me ama. É dela
meu desejo e meu
pensamento inundados de possibilidades
quando penso no tempo.
Ela é a terra e a chuva,
o sol e a lua que no pêndulo das
estações completam a minha vida.

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quinta-feira, 1 de março de 2012


A ÁGUIA
W. B. Leal

Como as garras
de uma águia
que no silêncio
rasga o espaço,
uma falta arde
em mim.
Em suas asas
dormem distâncias e
alturas
que lembram
um nome,
e esta ausência
a águia persegue
enquanto voa.
Se a minha águia
me vê,
eu a alimento,
e seu pouso
também é meu chão.
Na distância,
o seu silêncio é
um céu vazio:
nesse instante
grita a minha fome.
A minha águia me sabe
e eu a reconheço.
Nós somos
o fogo do fim
em todo começo.

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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012


A VOLTA
W.B. Leal


Há os dias da terra e da colheita,
os dias de sombra, os dias do
silêncio e a hora da volta a casa.

Há a exatidão da forma e as
imperfeições que nos encontram.
Há a dúvida, o chão e as certezas

quando somos a coragem
de ser apenas um.
Há a fissão do duplo, o falso

reflexo do espelho que não
sabe ser sexo. Há a ilusão do
que se pretende metade e é pó.

Há que se viver em busca
do único sentido do que somos:
um espelho nu e sua luz a sós.

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