quinta-feira, 24 de novembro de 2011


A TARDE
W. B. Leal


Na mesa do Café onde quase semanalmente
encontrava os amigos, a moça perguntou
sobre música e poesia enquanto algo marcava
o turbilhão de ruídos dos frequentadores.
Eu expliquei que não há ordem em minhas
leituras, que tento transformar meus poemas
num diário esparso, e em minha casa há tantos
livros semeados em cada canto que há sempre
um reencontro, um susto, uma recordação.
Enquanto lia hoje, eu lhe disse uma vez, escutava
os Prelúdios de Debussy, mas todas as noites leio
ouvindo o piano de Lizst, e ela perguntou quem
seria o meu preferido, e eu disse não há garantias
para uma resposta cuja pergunta é tão perigosa,
mas em minha casa Beethoven está sempre ao lado
do que me faz companhia, como uma lembrança
faz companhia, um livro lembra outro livro.

Estranha memória que em tudo amarra nomes
e histórias de existências vivas ou mortas, passagens
que renascem apenas nesses instantes.
E penso nos antepassados que não conhecemos
e lembro os nomes de William Carlos Williams e
Wallace Stevens, tão sempre perto de mim
como Rimbaud e Borges e Drummond.

Ainda ontem eu lia A Casa de Papel e pensava em todos
aqueles nomes pregados nas paredes, enterrados
no chão daquela praia, e via ali a casa que eu sou
e que também vai se apagando, se reconstruindo,
se erguendo e demolindo com lembranças e
esquecimentos. Neste momento, por exemplo, isto é apenas
um poema no meio da tarde, e agora uma ambulância
estaciona sobre a calçada - quem estará
morrendo? será aquela senhora que não conheço e
sorri quando me vê? - e a sala é inundada pelas
sequências iluminadas da Oitava Sinfonia
de Beethoven que a moça do Café disse
nunca ter observado apropriadamente mas
prometeu escutar outra vez.

WBLog

Um comentário:

Acácia Azevedo Studio Pottery disse...

O cotidiano anda transbordando arte? Ou a arte anda transbordando de você? Ah, esse dias surpreendentes...Expandindo a vida! Belíssimo! Beijos mil! A.