quinta-feira, 30 de junho de 2011


O DEFUNTO MUSICAL
W.B. Leal

Determinou em testamento que, para o seu velório, fossem providenciados um pequeno serviço de atendimento com manobristas, um buffet de salgados e doces feitos na hora, sucos de frutas, vinho tinto e, com ênfase contundente, que durante todo o tempo de exposição do seu corpo fossem tocados os seis Concertos de Brandemburgo, de J. S. Bach. Essa história teria dois finais. No primeiro, o número de amigos, conhecidos e curiosos seria tão grande que, devido à lotação da sala de cumprimentos e a consequente impossibilidade de acesso de todos à beira do caixão (onde o corpo se encontraria nu, entre rosas), o velório teria sido prorrogado em mais um dia, e, num terceiro, seria cobrado ingresso para tentar frear o público, pois, junto com as rosas murchas, o corpo já começava a cheirar mal. Na segunda hipótese para o fim dessa história, uma derradeira cláusula no testamento - a que pedia um número reduzidíssimo de pessoas durante as exéquias - teria sido curiosamente atendida, ainda que de forma involuntária, à risca. É que, devido à ausência de qualquer amigo ou carpideira para velar o morto, a rápida cerimônia teria sido assistida apenas pelos manobristas (todos de luvas brancas), pelos três garçons (impecavelmente vestidos de negro), e pela pequena orquestra de câmara que executaria apenas os três primeiros concertos de Bach. Isto porque o primeiro violino teria sido avisado, ao término do terceiro movimento do segundo concerto, de que o cheque deixado pelo defunto não tinha fundos.

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