quinta-feira, 30 de junho de 2011


O DEFUNTO MUSICAL
W.B. Leal

Determinou em testamento que, para o seu velório, fossem providenciados um pequeno serviço de atendimento com manobristas, um buffet de salgados e doces feitos na hora, sucos de frutas, vinho tinto e, com ênfase contundente, que durante todo o tempo de exposição do seu corpo fossem tocados os seis Concertos de Brandemburgo, de J. S. Bach. Essa história teria dois finais. No primeiro, o número de amigos, conhecidos e curiosos seria tão grande que, devido à lotação da sala de cumprimentos e a consequente impossibilidade de acesso de todos à beira do caixão (onde o corpo se encontraria nu, entre rosas), o velório teria sido prorrogado em mais um dia, e, num terceiro, seria cobrado ingresso para tentar frear o público, pois, junto com as rosas murchas, o corpo já começava a cheirar mal. Na segunda hipótese para o fim dessa história, uma derradeira cláusula no testamento - a que pedia um número reduzidíssimo de pessoas durante as exéquias - teria sido curiosamente atendida, ainda que de forma involuntária, à risca. É que, devido à ausência de qualquer amigo ou carpideira para velar o morto, a rápida cerimônia teria sido assistida apenas pelos manobristas (todos de luvas brancas), pelos três garçons (impecavelmente vestidos de negro), e pela pequena orquestra de câmara que executaria apenas os três primeiros concertos de Bach. Isto porque o primeiro violino teria sido avisado, ao término do terceiro movimento do segundo concerto, de que o cheque deixado pelo defunto não tinha fundos.

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quinta-feira, 16 de junho de 2011


ORBE AMOROSO
W.B. Leal


Como um cão que
morde o rabo
girando enlouquecido
no sentido do relógio,
o tempo arrasta os dias em
seu lento necrológio,
e os amores
se renovam entre uivos
e rosnados.


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domingo, 12 de junho de 2011


ENCONTROS
W.B. Leal

As pessoas
nos inspiram.
As pessoas nos
respiram.
As pessoas
piram.

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quinta-feira, 9 de junho de 2011


POEMINHA À TOA
W.B. Leal

Se o poema te pede
o trabalho da existência,
a vontade se impõe
sobre a mão da experiência.
A precisão da falta -
o arrasto do ponteiro
no correr das horas - e
o olhar que vê o mundo
do teu lado de dentro,
é tudo o que precisas
para o poema que te habita.
Outro jeito de existir
é o que o poema te pede:
ouve a música que se esconde
nas palavras do teu dia,
lá está o velho barco, lá
está a poesia.

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