domingo, 21 de agosto de 2011


poema do amor melhor
w. b. leal


com você
eu construía
uma ponte
eu abria
uma
estrada
eu seria
um par ou um

ainda
sendo
nós

com você
eu teria outros
planos
outros nomes
seria um lugar
do mundo ou
no mundo
onde só
se ouvisse a voz
do silêncio
e o silêncio seria
o mar
numa foz

com você
eu seria
quem sabe
mais
sábio quem
sabe mais velho
mais
doce quem
sabe seria
outro
espelho e
outra maneira
de ser
dois


WBLog

sábado, 20 de agosto de 2011


SCHEDULES
W. B. Leal

tente o resgate
nos horrores do passado

e pessoas
e números

liarão peças
e acontecimentos históricos

de vida estoica
como um reide

um avanço de aceleração contínua
sobre o tempo

uma mulher
lugar do mundo

pronto a amar
um homem

outorgando países
de olhos marinhos e

peixes aprisionados
buscando eternamente

a congruência de números
teoremas e saltos

sobre a frequência do que chamamos saudade
esta palavra estéril

sem paralelo no pulso anglicano
sem recordarmos

após alguns anos
os endereços

os nomes que pouco atribuimos voz
e gravarmos longamente o riso

frases ou carta
dificilmente acorde

com todo um dia
senão pelas muralhas

que cercam as horas
quando ninguém pode prever

uma mulher apaixonada
uma ave morta sobre a paisagem

a tela tomada por impulsos
virgens como tudo

novo
ideia e aço

no óbolo
que erguendo a estátua

estua
têmperas e vidros

antitérmicos
como deveriam ser os olhos

por uma mulher em chamas
estupidamente lesa

marcando a cada passo
a ponte

entre o tempo e a reta
que se desloca ilesa

como um homem duro
somente à sua parte

gelo
gesso e uma película

antioxidante
como o mundo novo

tudo evita
como tudo

evita o mundo do passado
não podemos nada recordar

senão quando pelas muralhas
do tempo de novo

desabamos
extensos como extensos

Schedules
em reuniões de bichos

sem segredos
como

o peito só para o seu dono
só olhado por trás

como inimigo
de lentes antitérmicas e

armações antioxidantes
por mulheres que não morrem

e engravidam
para a sorte de uns e o infortúnio

dos balanços e estatísticas
passado que só a história

pode presumir
com dados compilados e

suposições lógicas
Lógica

mulher e flor
símbolo e vestimenta

dores nos edifícios
da Forth

Avenue
asfixia e indolência

nomes do passado
gelosia e tempo

e a morte com seus braços
dorme sobre livros

derramados sobre a luz
que tece

a busca do homem
a vã cosmogonia

que agoniza lentamente
como a luz

no seu passado
achada à fuga de um carneiro

cósmico
signal

dos tempos em que não há


no abismo entre os passados
dessabidamente sinos

fundos como
um persa sobre a praia

a recolher cascalhos de pouca
simetria

com os astros
que no passado muito mais

tinham o brilho de olhos
de mulher fechada

como espelhos
em que se miravam

buscando o tempo
por onde passar

privando de tudo o treino
da luz e do passado

que provêm ao mesmo fim
dissoluto arrebatar

de morcegos doentes
aquelas que vêem

as maldades dos homens
duros como o gelo que

se desloca como um peixe de gesso
ao resgate duma constelação de trenos.

in O Aedo, 1989.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011



BRINQUEDO
W.B. Leal

Deixaste teu brinco
no meu pensamento,
um elo de prata
no espaço e no tempo,

um arco que marca
as voltas do vento,
ou concha que ouve
meu fino lamento.

Deixaste teu brinco
no meu pensamento,
na fome do corpo
da orelha que invento.

in A música da luz, 1997

sexta-feira, 5 de agosto de 2011



RETRATO DE COPACABANA
W.B. Leal

No fim da tarde,
a praia é tomada pelo descanso dos pombos.
A areia acende o espelho
que a luz deposita em cada ave.
Imitam lanternas
seus reflexos indefiníveis,
e carregam, na direção que apontam,
o arco da praia,
a máquina crepuscular da antiga hora.

Os pombos na areia
medem o pulso do estômago do escuro.
Vistos de longe,
são a explosão da pupila no movimento do branco.

Na calçada, alguns abandonam
o bando, perseguem as fêmeas - fustigam
o chão riscando intenções -
e num salto de caça,
encontram na cópula o instinto da fuga que subvertem.

À chegada da noite,
os pombos exibem a coreografia do espanto,
e o voo é um leque
sobre o peito pálido do mar.

in Os ritmos do fogo, 1999.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011


CELEBRAÇÃO
W.B. Leal

Dentro da noite,
como esta mão
dentro
de outra mão,
o tempo canta o seu silêncio.

Não o silêncio
da palavra -
de garbo
e definição -,
mas um canto
sobre o que, na distância,
se alimenta ao vencê-la -
estro e ruptura
de uma multiplicação inifinita -
sombra que sustenta
o peso da luz.

Nesta mão de abstrato instrumento,
de ritmo claro
como o pulso do céu,
ouço o equilíbrio
que sobre a vida constrói
o seu impulso - peso e leveza
de todo princípio -
barco que conduz
a algum centro
o sentido de tudo.

in Os ritmos do fogo, 1999.

terça-feira, 2 de agosto de 2011


ENDEREÇO
W.B. Leal

A cidade que perdemos,
não será outra,
dorme em nossa infância.

Do outro lado da rua, como do outro lado
do mundo, fala-se um nome que ouvimos há muito.
Ali,
jarros com o perfil do silêncio
quebram-se em luzes, alimentam o tempo,
recompõem o destino de alguma existência.
A rua, como uma olaria,
transporta o passado à sua eterna
submissão - o tempo presente -
e tudo respira o seu éter, reconstrói
o seu sonho, habita o mistério
que ferve em cada olho.

Nas calçadas, a miséria ainda
sangra o seu bálsamo escuro. Alguns desconfiam
que não poderão esperar - o passado lhes pesa,
e pesa a ausência
que se acostumou a não ter.

Em nossa memória serão construídas
novas cidades, mas tudo, no fim,
será um único retrato.

Alguma paisagem será vista. O que perder-se
habitará a resignação de nossas acomodações,
o solo de nossos mais profundos medos,
o comprometimento com o que, para nós,
não foi permitido.

A rua permanece com sua coreografia de caminhos
a ouvir daquela senhora uma nova pergunta.
Em seu corpo há uma dúvida que a rua
não pode apagar. O seu destino é outro,
como outra é a multiplicação de janelas
que não se abrirão para o seu espetáculo.

A rua e o tempo são esta senhora que procura.
Na olaria,
sua resposta é a cabeça
em que respira a luz.

in, Os ritmos do fogo, 1999.