sexta-feira, 20 de março de 2009


ENDEREÇO
para Priscila

A cidade que perdemos,
não será outra,
dorme em nossa infância.

Do outro lado da rua, como do outro lado
do mundo, fala-se um nome que ouvimos há muito.
Ali,
jarros com o perfil do silêncio
quebram-se em luzes, alimentam o tempo,
recompõem o destino de alguma existência.
A rua, como uma olaria,
transporta o passado à sua eterna
submissão – o tempo presente –
e tudo respira o seu éter, reconstrói o seu sonho,
habita o mistério que ferve em cada olho.

Nas calçadas, a miséria ainda sangra
o seu bálsamo escuro. Alguns desconfiam
que não poderão esperar – o presente lhes pesa,
e pesa a ausência
que se acostumou a não ter.

Em nossa memória serão construídas
novas cidades, mas tudo, no fim,
será um único retrato.
Alguma paisagem será vista. O que perder-se
habitará a resignação de nossas acomodações,
o solo de nossos mais profundos medos,
o comprometimento com o que, para nós,
não foi permitido.

A rua permanece com sua coreografia de caminhos
a ouvir daquela senhora uma nova pergunta.
Em seu corpo há uma dúvida que a rua
não pode apagar. O seu destino é outro,
como outra é a multiplicação de janelas
que não se abrirão para o seu espetáculo.

A rua e o tempo são esta senhora que procura.
Na olaria,
sua resposta é a pedra em que respira a luz.

wbl, in Os Ritmos do Fogo

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