quinta-feira, 26 de março de 2009


“Caminhando para o estúdio, sentia-me subitamente insubstancial, como se fosse uma figura pintada numa tela. A respiração tornava-se difícil e dolorosa. Passado um momento, invadia-me uma sensação de felicidade e bem-estar tão intensa que me parecia ter perdido todo o peso. Parecia que só aderia à terra pelo peso dos sapatos. De um momento para o outro eu poderia voar para fora da membrana da gravidade, incapaz de parar. O sentimento era tão agudo que tinha de apoiar-me à parede mais próxima e continuar a caminhar curvada como um passageiro que passeia no convés de um transatlântico durante um furacão. Depois vinham outras sensações menos agradáveis, um círculo escaldante em redor da cabeça, ruflar de asas nos ouvidos. Semi-sonhando na cama, vinham trombetas estourar-me o cérebro, encher-me o espírito; ou via as pupilas injetadas de sangue de um animal venenoso lançar-me um olhar escaldante. Era uma noite fresca, com as suas bolsas de luz química na cidade árabe. Os faunos tinham partido para as outras paragens de além-mar com as suas longas tranças oleadas e a túnica ornada de lantejoulas; as faces dos anjos negros; os homens fêmeas dos bairros ribeirinhos...” (Copiei estas linhas do diário de uma doente mental que tinha vindo tratar-se à clínica de Baltasar de uma depressão nervosa, consequência de um “amor”).

Baltasar, in O Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell

2 comentários:

Anônimo disse...

Que salvem-se os loucos, porque os que se dizem sãos estão destruindo o planeta...

Chris

Silvia Góes disse...

ai, ai esse quarteto.
Justine é a minha preferida.
beijos