sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

2010


PAROANO/ Weydson Barros Leal


Que este ano seja feito de segundos, vividos um a um,
e não apenas de meses, semanas ou dias riscados no calendário;
que os dias não sejam só expedientes de onde queremos fugir,
pois não se pode fugir do tempo.

Que não sejam somente números as vinte e quatro horas de cada dia,
nem sua passagem a espera pelo sábado ou o domingo
que apenas renovam esta verdade:
a natureza não sabe os nomes do tempo.

Que o ano seja feito de dúvidas e certezas – essas tantas
metades da esperança –, pois a certeza sabe que a fé pode ser maior
do que aquilo que está para acontecer, e a fé transforma os homens,
que transformam as coisas e os dias.
Que o ano seja sempre melhor do que poderia ter sido
nos nossos desejos passados,
e que os votos para o ano novo
nos últimos dias de dezembro, se transformem em verdade,
e que não esqueçamos das pessoas a quem desejamos,
naqueles dias, não sabemos mais o quê.

Que o ano que começa seja para “fazer o mundo feliz” –
seja lá o que isso for –,
mas também para mudar as certezas, realizar novos planos,
e para que esses planos e essas certezas sejam maneiras
de melhorar a vida, pois é a vida –
seja lá o que isso for – o sentido de tudo.

wbl

quarta-feira, 11 de novembro de 2009


Beduíno: "Ei, espera aí, aonde você vai?"
Camelo: "Já chegamos! Você já está bem! Não precisa mais de mim!"
Beduíno: "Mas só porque eu estou bem você não precisa me deixar sozinho aqui! Ei, cuidado com os carros!"
Camelo: "Vou voltar para o deserto. Você agora está em casa. Quando precisar, sabe onde me encontrar..."
Beduíno: "Espera aí, quero te dizer uma coisa!"
Camelo: "Fala logo. Essas ruas me deixam louco. E ainda por cima me olham como se eu fosse um ET!"
Beduíno: "Quero te dizer que você me ajudou muito. Vou sentir sua falta."
Camelo: "Você vai me esquecer quando estiver completamente bem. Não vai mais lembrar de mim, pelo menos enquanto se sentir seguro. Depois, se precisar, já sabe, estarei na minha duna te esperando. Venha quando quiser. Pode ser só para uma visitinha."
Beduíno: "Quero te agradecer muito."
Camelo: "Tá bom. Agora deixa de choradeira e vai logo pegar o teu livro."
Beduíno: "Obrigado de coração."
Camelo: "Deixa disso bobão, e quando vier me visitar, traz uma lembrancinha."

wbl

domingo, 8 de novembro de 2009


Camelo: "Lá vem ele..."
Beduíno: "Olha o que eu achei."
Camelo: "Já imaginava..."
Beduíno: "Vou levar uma lembrancinha."
Camelo: "Pra quem?"
Beduíno: "Alguém especial."
Camelo: "Tá ficando bobo de novo..."

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quinta-feira, 5 de novembro de 2009


Viajante 1: "Cadê o beduíno?"
Viajante 2: "Sumiu faz duas horas."
Viajante 1: "Aonde ele foi?"
Viajante 2: "Pergunta ao camelo dele."
Viajante 1: "E aí, camelo? Cadê o cara?"
Camelo: "Ele não queria sair nessa foto."
Viajante2: "Logo agora! Por quê?"
Camelo: "Detesta novela."

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quarta-feira, 4 de novembro de 2009


Camelo: "Faz essa em preto e branco!"
Beduíno: "Você e suas manias!"
Camelo: "Faz um close!"
Beduíno: "Deixa de ser metido!"
Camelo: "Vou mandar um beijinho!"

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Camelo: "Que tal agora?"
Beduíno: "Que tal o quê?"
Camelo: "Assim de frente..."
Beduíno: "Você é cheio de manias..."
Camelo: "Você não sabe, mas eu tenho fãs."
Beduíno: "Vai se exibir agora?"
Camelo: "Atendendo a pedidos."

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Camelo: “E aí, beleza?”
Beduíno: “O que você está fazendo aí deitado?”
Camelo: “Relaxando.”
Beduíno: “Você não tem jeito.”
Camelo: “Senta aí, tudo tem um jeito.”

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Beduíno: “Essa foto vai ficar bacana!”
Camelo: “Bacana por quê?”
Beduíno: “Pelo ridículo da posição.”
Camelo: “Acho que vou te dar um coice.”

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Beduíno: “E aí?”
Camelo: “Lá vem você de novo...”
Beduíno: “Vamos embora!”
Camelo: “Sempre atrapalhando...”
Beduíno: “Ora, dessa vez eu não estou na sua frente!”
Camelo: “Olha o silêncio da paisagem...”

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sexta-feira, 23 de outubro de 2009


Camelo: "Chegamos?"
Beduíno: "Se não chegamos, estamos perto."
Camelo: "E aí, vai ou não vai?"
Beduíno: "Lugarzinho bonito esse!"
Camelo: "Não enrola. Vai encarar?"
Beduíno: "É lindo, não acha?"
Camelo: "Isso é relativo."
Beduíno: "Relativo a quê?"
Camelo: "Depende da sua necessidade de deserto."

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quarta-feira, 21 de outubro de 2009


Camelo2: "O cara tá caindo".
Camelo1: "Ele está sempre por um fio."
Camelo3: "É muito estressado."
Beduíno: "Parem de falar de mim!"
Camelo1: "É muito impressionado."
Camelo2: "Relaxa, mané."
Beduíno: "Estou com dor de garganta."
Camelo3: "Por que no te callas?"

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Camelo1: "E então?"
Camelo2: "Nada ainda."
Camelo1: "Qual o diagnóstico?"
Camelo2: "Está vivo."
Camelo1: "E o tratamento?"
Camelo2: "Paciência."

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terça-feira, 20 de outubro de 2009


Beduíno: "Cuidado!"
Camelo: "Com o quê?"
Beduíno: "Travessia de camelos."
Camelo: "Você não aprendeu ainda?"
Beduíno: "O quê?"
Camelo: "Os caminhos se cruzam."

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Camelo: "Melhoraste?"
Beduíno: "Nada."
Camelo: "ihhhh..."
Beduíno: "Que foi?"
Camelo: "Tens testamento?"

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segunda-feira, 19 de outubro de 2009


Camelo 1: "Aonde ele foi?"
Camelo 2: "Está deprimido. Diz que está doente."
Camelo 1: "Ainda?"
Camelo 2: "Deve ser emocional."
Camelo 1: "Hummm..."
Camelo 2: "Cosa mentale, como dizem os italianos..."
Camelo 1: "Acho que é intestinal."

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domingo, 18 de outubro de 2009


Beduíno: "O que é isso de novo?"
Camelo: "Um presente."
Beduíno: "Você já me deu um desses!"
Camelo: "Você vai aprender."
Beduíno: "Eu não preciso disso, eu preciso ficar bom, não aguento mais!"
Camelo: "Você não sabe o que é."
Beduíno: "Claro que sei, deve ser estresse ou, senão, algo mortal."
Camelo: "Isso às vezes me deprime."
Beduíno: "O quê?"
Camelo: "Você não sabe a diferença entre um camelo e um dromedário."

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Camelo: "Para onde estamos indo?"
Beduíno: "Não sei."
Camelo: "Pode ser um abismo."
Beduíno: "Não posso escolher."
Camelo: "Já é uma escolha."

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Camelo: "Que foi?"
Beduíno: "Esse bicho é meio esquisito."
Camelo: "Humm..."
Beduíno: "Camelinho feio pra burro."
Camelo: "Isso não é um camelo, é um dromedário."

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Beduíno: "O que diabo é aquilo?"
Camelo: "Hoje é domingo."
Beduíno: "Pra onde ele vai com aquela bicicleta?"
Camelo: "É uma ilusão."
Beduíno: "Bicicleta no deserto?"
Camelo: "No deserto os homens sentem falta de tudo."

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sábado, 17 de outubro de 2009


Beduíno: "Ei, aonde você vai?"
Camelo: "Não aguento mais você."
Beduíno: "Espera aí, eu ainda estou doente."
Camelo: "Fique bom."
Beduíno: "Você não pode me deixar sozinho."
Camelo: "Eu volto."
Beduíno: "Quando?"
Camelo: "Você é muito chorão."

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sexta-feira, 16 de outubro de 2009


Camelo: "Eu já não aguentava mais aquela Mesquita."
Beduíno: "Por quê?"
Camelo: "É só uma construção."
Beduíno: "A religião acalma as pessoas."
Camelo: "E se não acalmar? Não é perigoso?"
Beduíno: "Vamos mudar de assunto".

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Camelo: "Uau! O que é isto?"
Beduíno: "Uma Mesquita. Nunca viu?"
Camelo: "Pra que serve?"
Beduíno: "É onde se fala com Deus."
Camelo: "Você conhece Deus?"
Beduíno: "Joguei xadrez com ele uma vez."
Camelo: "Você sabe jogar xadrez?"
Beduíno: "Não."

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quinta-feira, 15 de outubro de 2009


Beduíno: "O que é isso?"
Camelo: "Quando você ficar bom eu vou embora, então deixo essa lembrancinha."
Beduíno: "Você é meio infantil".
Camelo: "Relaxa, bobão."

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Camelo: "Cansou?"
Beduíno: "Estou olhando o pôr do sol."
Camelo: "E então?"
Beduíno: "Então o quê?"
Camelo: "Está melhor?"
Beduíno: "Sei lá."
Camelo: "Faça como o sol".
Beduíno: "O que?"
Camelo: "Ele sempre se levanta."

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Camelo: "E então?"
Beduíno: "Creio que há uma melhora."
Camelo: "Você precisa ser mais positivo".
Beduíno: "Não é fácil quando estamos doentes."
Camelo: "Eu não fico doente nunca."
Beduíno: "Como consegue isso?"
Camelo: "Vivo cada dia".
Beduíno: "Mas eu também."
Camelo: "Você tem esse maldito calendário."
Beduíno: "Vou rasgar o calendário."
Camelo: "Uhuuuuuuuuu!"

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quarta-feira, 14 de outubro de 2009


Camelo 1: "Aonde ele foi?"
Camelo2: "De manhã é sempre assim..."
Camelo 1: "Demora?"
Camelo2: "Ele detesta ser contrariado..."

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Camelo: "Estou bem?"
Beduíno: "O que é isso?"
Camelo: "Esse deserto é muito sem graça."
Beduíno: "Será que não está meio ridículo?"
Camelo: "Eu acho bacana."
Beduíno: "Se aparece alguém no caminho, pode ficar chato."
Camelo: "Você devia se alegrar."
Beduíno: "Até quando você vai usar isso?"
Camelo: "Capricha na foto!"

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terça-feira, 13 de outubro de 2009


Camelo: "Onde você andou?"
Beduíno: "Fui ao médico."
Camelo: "Você e seu fatalismo..."
Beduíno: "Há algo errado comigo..."
Camelo: "Isso eu sempre soube, e quem lhe conhece também..."
Beduíno: "Você e seu positivismo bem humorado. De qualquer maneira..."
Camelo: "O que você tem?"
Beduíno: "Acho que estou morrendo..."
Camelo: "Todos estamos. Assim como renascemos mais ou menos..."
Beduíno: "Acho que comecei a renascer menos e a morrer mais..."
Camelo: "Você é um romântico fatalista. É ridículo como os homens vão ficando assim com a idade..."
Beduíno: "Sinceramente, dessa vez eu não sei. Há algo diferente..."
Camelo: "São seus excessos..."
Beduíno: "Excessos de quê?"
Camelo: "Talvez, lembranças..."

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segunda-feira, 12 de outubro de 2009


Beduíno: "O que é dessa vez?"
Camelo: "Você anda muito calado."
Beduíno: "Estou doente, você sabe..."
Camelo: "Ah, pare com isso, pense no que te faz bem."
Beduíno: "Eu sinto falta..."
Camelo: "Eu também."
Beduíno: "Nós dois aqui nesse deserto, sinto falta do meu espelho."
Camelo: "Isso prova que existe."
Beduíno: "O que? O espelho?"
Camelo: "O que você vê no espelho."
Beduíno: "Mas não está aqui."
Camelo: "Então é maior ainda."

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domingo, 11 de outubro de 2009



Beduíno: "Ei, o que você está fazendo?"
Camelo: "Não está vendo?"
Beduíno: "Eu estou doente e você fica aí?"
Camelo: "Ora, você está doente, não eu! Além disso, isso faz bem..."
Beduíno: "Você nâo respeita um doente?"
Camelo: "Relaxa!"
Beduíno: "Eu estou doente, não posso!"
Camelo: "Pode sim! Olha a paisagem..."

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sábado, 10 de outubro de 2009


Camelo: "Você parece preocupado."
Beduíno: "Não me sinto bem..."
Camelo: "Um dia iria acontecer..."
Beduíno: "É difícil acreditar..."
Camelo: "Ninguém acredita, até o último instante... Olha esse céu, esse mar!"
Beduíno: "Você e suas paisagens..."
Camelo: "Já é alguma coisa..."
Beduíno: "Não me sinto bem."
Camelo: "Procure olhar as coisas como se fosse a primeira vez."
Beduíno: "E se for a última?"
Camelo: "Também é uma primeira vez."

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sexta-feira, 9 de outubro de 2009


Beduíno: "Você está rindo de quê?"
Camelo: "Você está sempre preocupado."
Beduíno: "Claro! Nós estamos neste sol e você olhando a paisagem!"
Camelo: "Agora estou olhando pra você."
Beduíno: "E daí?"
Camelo: "Um pequeno passo pode mudar tudo."
Beduíno: "Ah, não enche! Eu tô queimando aqui! O que mais você quer?"
Camelo: "Sai da frente!"

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quinta-feira, 8 de outubro de 2009


Beduíno: "Por que você parou?"
Camelo: "Olhar a paisagem!"
Beduíno: "Você está louco, estamos sob um sol de 45 graus!"
Camelo: "É preciso olhar a paisagem!"
Beduíno: "Não acredito que estou discutindo com você!"
Camelo: "Esquece isso e olha a paisagem..."

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domingo, 4 de outubro de 2009


- Digamos que fora deste alvo esteja a liberdade, que os círculos do alvo são seus riscos, e que em seu centro exista um segredo, habite uma verdade. Não seria um pecado não preferir a liberdade? Não seria o acerto, em qualquer de seus círculos, o princípio de toda expiação? Errar não será melhor? Por que arriscar esse jogo, se, ao atingi-lo em qualquer ponto, a liberdade correrá perigo? - ele indagou, diante da árvore onde balançava o velho alvo.
- Eu prefiro o risco desse amor - ela respondeu - a não saber que gosto tem o seu desafio. Não acertá-lo é um risco em si mesmo, mas a possibilidade do alvo é sempre uma porta para uma outra pergunta: "Por que não desejar?"...

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quinta-feira, 24 de setembro de 2009


"Qual seria a razão disso?", ela pergunta. As respostas podem ser muitas. E se multiplicam a cada olhar. Talvez exibam sinais de uma beleza perdida ou de uma liberdade impossível, mas sobre as quais persistirá o diagnóstico de uma convicta solidão. "Será isso uma obsessão?", ela insiste. Não sabemos. Mas aqui respira aquela sensação de quando todos os objetos, lugares e melodias nos remetem, permanentemente, a uma única pessoa.

wbl

quarta-feira, 23 de setembro de 2009


Igitur ou A Loucura de Mallarmé

Weydson Barros Leal


Avignon teria sido feliz se Monsieur Mallarmé riscasse poemas na lousa apagada. Mas a vida precisava dos números - os pratos acesos eram as telas do estômago - e Igitur, poeta, fugira de uma Alemanha cinzenta. Havia trabalhado para um filósofo asmático que morrera de um tipo de solidão generalizada. Igitur poeta escapara da noite por uma ressureição de imagens; resgatara ancestrais nas bengalas dos postes e tornou-se herói de um conto prosopoético. Igitur, disléxico, tinha frase musical e a solidão dos epigramas assonantada e abstrata. Trouxe nos pés uma canção metafísica e no bolso das mãos dados vermelhos pelos quais seria lembrança. Subtraiu de seu livro a sintaxe bem-comportada. Um dia, à porta do poema, disse-lhe sede. O mestre o bebeu como um leite do céu. Engolira a fogueira - não sabia - da poética prática do portão das estrelas. O acaso apaga o dia. O vazio da alma um sapato vazio. Igitur tornou-se hermético como a embalagem do espaço. Inventou Elbehnon - hebraico - filho de Elohim - gangs criadoras de Jeová. Criava tudo. Era poeta. Igitur com Elbehnon foram trama existencial. O vazio era nada - o infinito não se sabe. Ptyx era uma concha grega inventada numa insônia. Igitur insinuou rituais de magia mas não sabia contar. Igitur a loucura do poeta. Elbehnon psicastênico. Igitur o médico e a doidice, o papel e a poesia. Igitur a lógica poética, abstração concreta. O teatro e a peça: Un coupe de dés aboliu as reservas. Em Paris, certa vez, Igitur dava esmolas. O corpo dormia sobre banco de praça. La Bastille, olhos azuis, Rimbaud ainda insone praguejou-lhe a oferta - não compraria o Inferno. Igitur não ouviu. Descia a cavalo o corrimão da noite. O movimento do pêndulo era o soluço dos trens a vapor. Soubera que em Paris ou Avignon o professor conhecia Courbet. “Belicosa, exaltante, preciosa, mundana” sua tinta. Courbet e o professor ouviam miragens. Às nove da manhã, o professor, já poeta, recebeu Paul Valéry para conversa. Era outrubro. Manhã cheia de lua. Valéry conhecia pintura. Sabia Monet, Manet. Escreveu Petit Discours aux Peintres Graveurs. Tomaram chá de ervas até onze e quarenta - o professor tinha cobertos os joelhos. Ouviram falar de Rimbaud. Partiu, parece. Não se sabe muito. Igitur é abstração da Angústia. A Angústia concreta. “Le Rêve a agonisé en cette fiole de verre, pureté, qui renferme la substance du Néant”. A vida de Igitur é um esquema analógico. “Ici: névrose, ennui, (ou Absolu!)”. Igitur não era o relógio - era o pêndulo. Sua raça era a pureza que bebia o absoluto. “O infinito, afinal, está fixo”. Tudo é acaso ou sua reflexão ocasional. O Absoluto. O acaso toca o infinito. O silêncio se olha no espelho. Sombras de seu movimento. Um brinde ao barco bêbado! Os peles-vermelhas e as sereias navegam paralelos. Há semelhanças nas quilhas. As velas são de sonho. Navegam à proa os amigos. Os poetas atrás. Rimbaud baba na popa, seu coração. Monsieur Mallarmé ergue seu brinde de pé. Rimbaud tomou banho no poema. Tingiu de azul o amor fracassado. A aurora explodira como um bando de pombas. Solitude, recife, estrela. Viu Flóridas perdidas com olhos de jaguar. O barco era perdido mas a proa brindava o mar. O charco dessa Europa sabe o branco em sua vela. Monsieur Mallarmé não queria sucesso. Criava cardumes no aquário da noite. A mania dos números ensinou-lhe a operar solidões. Fundou outra literatura. Música e concentração. Gritava numa procissão de cânticos. NADA é palavra de poemas - RIEN. Brincava nos túmulos e conhecia o seu Nada. E era outro o Nada da Morte. Um Nada preenchido de Absoluto. Os dados imitavam as horas. Quatro dados imitam o dia. Um lance do acaso os redime do Nada. Todo poema é um estudo antigo. Fala de ancestrais, de sombras. A criança o homem absoluto. A criança ancestral: Monsieur Mallarmé e Rimbaud eram irmãos, ambos estudaram inglês. O equilíbrio dos nomes era a balança musical que Igitur trazia nos lábios. A música da palavra. O acaso era previsto pelos dedos de Igitur. Monsieur Mallarmé medira o acaso e o infinito. Sua meditação era expressão estética. Não a estética “fora de moda”, que dizia Rimbaud, mas a estética absoluta: “Pintar não a coisa, mas o efeito que produz - todas as palavras devem-se eclipsar ante a sensação”. Queria evadir-se por uma janela do tempo que era o teto em sua alma. Evadiu-se em um mergulho interno e salvou do naufrágio o barco da imaginação. Escreveu Herodiade e L’après-midi d’un faune com pena de asa de anjo. Dramático? - inconcluso. Sua sintaxe tinha o peso do céu. A noite desembocava sua agonia na introdução amarela do dia. Todos, afinal, procuram Baudelaire. Baudelaire é um ancestral que vive. Igitur obra inacabada. Igitur fabrica espelhos sem tempo e bebe a lágrima do Nada. Igitur é um advérbio esquecido. Enfim, Monsieur Mallarmé o deixou numa escada enquanto dormia. Queria conceitos sem trama. O Nada. O Absoluto. O Abstrato entre os dedos do intangível. Para isso encontraria metáforas no cotidiano. A sombra derretera-se em Sonho e Silêncio - Idéia e Azar. Assim nasceu Igitur. A mente rompera a bolsa líquida do Nada. Igitur a bebeu e arrotou o Absoluto.

wbl

sexta-feira, 4 de setembro de 2009


Mesmo que o mundo silencie o motor de todas as certezas,
tu estarás em mim.
Não importa a ausência do corpo,
a mudez dos telefones ou as janelas fechadas,
pois tu estás em tudo o que há de belo e puro.

Nas noites de minhas lembranças
és uma casa iluminada.
Se nela deposito o teu nome,
as coisas se acendem, e por isso
já tudo é como o céu das noites limpas de verão.

wbl

quinta-feira, 3 de setembro de 2009


VOO NOTURNO

No pedaço de lua
que a tua pele ilumina,
é seda e perfume o teu relevo de estrelas.
Em tua geografia todos os pássaros se vestiram de branco
para que em tuas dunas eu erguesse a minha bandeira.

São milhares de luas as curvas que te recriam,
e apenas a tua lembrança
já acende a minha alegria.
(A minha fome velava
enquanto tu dormias,
pois no descanso da festa
o teu silêncio também era poesia.)

No pedaço de lua
que a tua pele acende como uma asa de fogo,
eu guardo a volta e o desejo do meu pouso.

wbl

O VALE

o passado é uma cidade
que não cansa de existir.
é a luz que se equilibra
sobre o tempo do horizonte
que persiste em perseguir.

no presente, o dia, a hora,
é a morte a repetir:
este dia é o mesmo dia
em que em dia de outro ano
haveremos de partir.

nesta lida, o que choramos
é o pão a repartir.
se sonhamos ser felizes
acordados neste sonho
só sonhamos existir.

wbl in Os Círculos Imprecisos

O que nos vem
e o que deixamos.
O que nunca encontra.
O que eternamente
é par.
O lar,
a comunhão...
O que nos é pedido
e o que nos leva.
O que damos, o que
precisamos.
O que é busca, o que somente
nos procura,
o que ninguém concede.
O caminho, o laço, a cama,
o que lutamos pelas mãos,
o que desperdiçamos.
O que nos é dado escrever:
o sonho e o acontecimento.
O homem que ama.
Os danos e o benfazejo.
O lucro, a perda, a falta, o jogo, o amor.
A flecha e o conto.
A ficção, os pés, (a solidão).
O relógio,
a morte.
A música e a vela.
O ventre, o vão, a paixão.
O que queremos.
O que quer.
O que vivemos.
O que vive.
O orgasmo. A espera. A água. A esperança.

wbl in Os Ritmos do Fogo.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009


Deixaste teu brinco
no meu pensamento,
um elo de prata
no espaço e no tempo,

um arco que marca
as voltas do vento,
ou concha que ouve
meu fino lamento.

Deixaste teu brinco
no meu pensamento,
na fome do corpo
da orelha que invento.

wbl, in A Música da Luz

Dentro da noite,
como esta mão
dentro de outra mão,
o tempo canta o seu silêncio.
Não o silêncio da palavra, de garbo
e definição, mas um canto sobre o que, na distância,
se alimenta ao vencê-la,
estro e ruptura de uma multiplicação infinita,
sombra que sustenta o peso da luz.

Nesta mão de abstrato instrumento,
de ritmo claro como o pulso do céu,
ouço o equilíbrio que sobre a vida
constrói o seu impulso - peso e leveza
de todo princípio - barco que conduz
a algum centro
o sentido de tudo.

wbl in Os Ritmos do Fogo

segunda-feira, 31 de agosto de 2009




Se de menina é feita esta mulher,
é na mulher que a chama acesa dorme.
Seu coração é o seu jardim secreto,
mas dentro dele é amor que se descobre.

É delicado encanto o seu mistério,
embora emoldurado na razão,
pois se olhas fundo, vês a partitura
de uma ternura doce de canção.

Esconde-se no sol o seu silêncio,
e sob a lua o seu sorriso dança:
o fogo é melodia em seu incêndio,

toda beleza o seu mistério alcança.
Se na mulher a chama acesa dorme,
do seu amor meu fogo não se cansa.

wbl

quinta-feira, 27 de agosto de 2009


O MAPA

Tanto de ti em mim eu guardo e reconheço,
que nos teus olhos eu relembro o meu espelho.

Hoje penso, ante a selva azul deste oceano,
que os acasos também se fazem de desejos,

e embora não saibamos até quando ou onde
bate o relógio ou chega o plano dessa estrada,

eu chego a pressentir que o meu e o teu caminho
são sonhos de um vinhedo para um raro vinho...

Que o campo desta safra seja a nossa casa,
aberta para sempre, e assim iluminada.

WBL


POEMA PARA UMA MULHER AZUL

Ela é a música e a alegria de um lugar que não se esquece. Seu corpo nasce na noite que a minha fogueira alimenta.
No berço de sua palavra uma partitura é lembrada como um pássaro que se vê. É sua semente a explosão em branco que toca a onda.
Ela é a chuva, a casa, a mulher e a criança. Veste-se em tudo sua alegria que vibra, e em cada corda de sua beleza um mesmo instrumento canta seu júbilo.
Peixes e estrelas desceram da noite para iluminar sua passagem. Para o dia que nasce ela é o peito e a voz que declara a vida. O seu corpo é amor, e assim é toda verdade.

wbl in A MÚSICA DA LUZ

sexta-feira, 21 de agosto de 2009


VÊNUS

À silhueta magra de sua presença
reduz-se a voz, opõe-se a força,
renuncia o silêncio.
O seu silêncio é lúcido
como um pássaro sobre um touro,
e traz, em sua úmida intimidade,
o riso que pede,
o senho que sabe,
a palavra muda.
O seu olhar tem na semente
a certeza do fruto alto,
e ela não sabe ser mais
que a simples natureza,
quando guarda nas mãos
a pressentida sombra,
a elevada e pressentida sombra
da presença de um deus.

wbl, in OS RITMOS DO FOGO

quinta-feira, 20 de agosto de 2009


GEOGRAFIA DA MEMÓRIA


Amo o teu cheiro, o teu jeito,
o beijo do oceano
que derramas em mim.
Amo a palavra
distribuída nas sílabas de tua coluna,
e amo a frase inteira
que o meridiano dos teus quadris circunda.
Amo a ciência dos teus joelhos
e o ângulo agudo dos teus cotovelos;
amo a atmosfera do teu pelo, a lua
no cabelo e a claridade do espelho
em cada uma de tuas unhas.
Amo a estreita circunferência
que a tua cintura enriquece,
e em tuas pernas os caminhos
por onde o teu banho desce.
Amo os teus olhos,
que os meus olhos nunca esquecem,
e os incêndios que a tua língua
ateia em minha pele, despertando cada poro
que se acorda dormente, mas que sente, e sente, e sente...
Amo os teus braços de dulcíssima firmeza
quando os meus braços os cingem,
e eles fingem ser asas
para que me carregues até a mais alta
das encostas, onde outra vez
eu te amo, amando tudo em ti,
o teu gemido,
o teu silêncio,
a tua resposta.

weydson barros leal, in A Quarta Cruz

POÉTICA

Sobre a cama, só, ela escreve na parede do quarto:
"Anarquia que sabe o meu desejo profundo,
eu quero beber o sêmen do mundo,
enquanto o dia for apenas provisório...
Sinto-me eterna como um morto que sonha...
Ele está nu, e dança sobre a sala,
o meu segredo é somente o que se fala,
o púbis me pulsa a úmida fome..."

E com o travesseiro entre as pernas, dorme...

wbl

quarta-feira, 19 de agosto de 2009


O calendário emoldura a janela com sua rede de pêndulos e ponteiros. Na rua o tempo desfila o seu cortejo. Três dias, ou dois dias e meio, para o sábado. Uma névoa é um véu sobre o céu do Rio. O jornal anuncia a chegada do frio para os próximos dias. Mas eu espero um balão, um foguete, um avião, e hei de fazer uma fogueira na sala da minha casa...

wbl