segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

CINEMA


Filme: Foi apenas um sonho
Título Original: Revolutionary Road (EUA, 2008)
Direção: Sam Mendes
Elenco: Leonardo DiCaprio, Kate Winslet, Kathy Bates, Kathryn Hahn, Michael Shannon, Dylan Clark Marshall, Zoe Kazan, Kristen Connolly, Ryan Simpkins

Comecemos pelo título. Poucas adaptações – não podemos, aqui, usar o termo “tradução” – de títulos de filmes estrangeiros serão tão ruins como esta. Afinal, o que Revolutionary Road sugere de informação subliminar para o leitor do livro de Richard Yates, no qual é baseado o filme, perde-se no rebatizado raso quando o sentido de sugestão original é engolido por algum romântico “tradutor”. Dito isto, teríamos aqui o filme mais linear e com menor apelo de bilheteria – não fosse pelo casal titânico Leonardo Di Caprio e Kate Winslet – em cartaz atualmente no Brasil . Mas isto não retiraria da obra o que se pode considerar num bom filme, e não apenas para adultos, mas para adultos inteligentes. Em princípio, a história de um casal jovem e cheio de sonhos numa pequena cidade americana pode parecer um enredo morno, mas quando a construção ou desconstrução de uma tragédia familiar é tão bem contada, o resultado é surpreendente. Neste caso, Di Caprio e Winslet fazem bem o que lhes é pedido que façam bem. E assim vão se superando, em cenas que pedem mais ou menos de seus talentos. No caso do “rapaz do Titanic”, só o preconceito evidente contra um ator há muito tempo maduro justifica o fato de, até hoje, ele não ter recebido um Oscar por qualquer uma de suas atuações, não valendo a pena citar os filmes pelos quais ele mereceria um. Mas este “Foi apenas um sonho” também traz outro grande ator, Michael Shannon, no papel de um matemático falastrão, inquilino em férias de um hospital psiquiátrico. Sua aparição é fundamental e emblemática para o desfecho do filme, quando seu personagem surge como uma espécie de supra-consciência ou inconsciente coletivo que explode diante de todos. Após sua primeira visita ao casal protagonista, ao se darem conta de que concordam com tudo o que o maluco dissera, Frank e April (Di Caprio e Winslet) chegam a se perguntar: “Será que nós somos doidos também?” Essa é talvez uma das grandes perguntas que o filme faz ao espectador: será que a loucura é dizer ou fingir tudo? A partir daí, o filme suscita uma discussão incômoda – o aborto – para sociedades como a americana e a brasileira, onde questões religiosas costumam condenar, antes do aborto, qualquer reivindicação dos direitos da mulher. E esta é a questão central do filme. Não podemos, aqui, deixar de anotar o impecável trabalho de figurinos e cenários sóbrios e elegantes, quase sempre monocromáticos, aonde tudo – roupas, móveis e objetos – atende a uma escala de cores entre cinzas e brancos, pálidos beges e ocres. Essas cores refletem a vida bem-comportada e incomodamente apática contra a qual April (Winslet) se revolta e convence o marido a se rebelar. Numa rua pacata de uma cidade pacata de um país religioso, qualquer novo padrão transforma a vida em tema revolucionário. O espectador homem que for ver o filme ao lado de uma mulher inteligente deve tomar cuidado com comentários apressados ou inconsequentes. Pois se sucumbir à tentação de sugerir para o filme um título “sagaz” como, por exemplo, “O casamento”, irá perceber numa frase que tudo pode ser mais profundo do que aparenta, e o que parecia linear se transforma na montanha-russa para a qual poucos estão verdadeiramente preparados.

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