domingo, 17 de fevereiro de 2008

TEATRO


A CONDIÇÃO HUMANA
(Cena de A Casa das Belas Adormecidas, roteiro de Eduardo Nunes e José Luiz Jr, texto de Weydson Barros Leal, com Carla Rosa, Fernanda Bond, Giselle Lima e Virginia Martins.)

Sarah está só, num canto da sala. Pode estar no altar ou manuseando um objeto que pareça algo de estimação, algo com alto valor sentimental. As outras 3 meninas têm posições diversas. De repente, Maria observa o isolamento de Sarah e se aproxima.

MARIA – O que é que você tem, menina? Há dois dias não fala nada, fica pelos cantos, como se não estivesse aqui...
SARAH – Não ia adiantar estar em outro lugar... Lá também não teria sentido, não teria sentido em lugar nenhum...
MARIA – (maternal) Deixa de bobagem! Você deve ser a que tem mais motivos para ser feliz aqui dentro, é a mais jovem, não tem nada que te prenda lá fora, além disso, não tem o que te prenda por dentro...
SARAH – Talvez seja isso que esteja faltando... Algo que pelo menos me prenda a algum lugar, a alguma coisa...
CLARICE – Você devia agradecer a tudo o que nunca te prendeu...
BEATRIZ – Você é a única aqui que se aproxima da liberdade, não perdeu um filho, não deixou uma família lá fora, nem está esperando um filho, como Maria, que não sabe o que vai ser dele... Se for menina, pior ainda, pode ter o nosso destino...
SARAH – Eu queria pelo menos ter uma razão para querer sair daqui, um filho perdido, um irmão, ou um filho pra nascer... Essa minha liberdade é uma segunda prisão.
CLARICE – Deixa de loucura, menina! Todo laço é uma prisão, toda lembrança é uma prisão. Eu queria não ter nada para lembrar, para me prender no passado ou num futuro que eu não sei se vai existir... Eu queria respirar essa tua liberdade pelo menos por um dia...
SARAH – Essa liberdade é vazia, é oca, não vem e não vai pra lugar nenhum, então está presa aqui, nesse lugar, no dia de hoje...
MARIA – Eu não posso te dizer que eu seja mais feliz ou menos feliz que você... Só sei que a incerteza que eu vivo deve ser tão grande quanto a tua certeza...
SARAH – Você vai ter um filho, ele vai te amar, vai...
MARIA – (interrompendo a outra) Quem me garante se ele vai me amar, por quanto tempo ele vai precisar de mim? Um dia, cedo ou tarde, ele vai embora, e vai esquecer de mim também, e talvez a minha tristeza seja maior do que essa dúvida...
BEATRIZ – Mesmo assim essa tristeza vai ser menor do que a minha, do que a tristeza de ter perdido o que eu nem conheci...
CLARICE – Talvez essa tristeza também seja menor do que a minha, que sei onde está quem eu amo mas não posso estar lá, e mesmo que estivesse, ninguém iria entender, todo mundo iria julgar e condenar...
SARAH – Mas vocês pelo menos sentem tudo isso, e eu não sinto nada...
MARIA – Essa é a sua liberdade...
SARAH – Ou a minha prisão...
BEATRIZ – Você precisa se apaixonar pela sua liberdade...
CLARICE – Você precisa se apaixonar por você...
MARIA – Levanta daí, faz um chá, canta, canta e você vai esquecer isso...
BEATRIZ – Vem dançar... Um dia você vai lembrar dessa dança e vai sentir saudade...

Nenhum comentário: