A PALAVRA SEDA
João Cabral de Melo Neto
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,
de cru, de cruel, de crueza,
que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.
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