Mrs. Sunflower – (inquisidora) E o senhor, Mr. Windflow, quando deixará de ser sozinho e formará uma família?
Mr. Windflow – (quase tímido) Ora, Mrs. Sunflower, vivo acompanhado de tantas idéias que não me sobra muito tempo para especular sobre a solidão, se é que ela existe, o que não acredito muito. Ser só é algo impossível para os que estão ocupados com tantos livros... Quanto a mim, apenas busco organizar o meu espírito, e posso lhe garantir que isso dá trabalho. Tento compreender parte das angústias humanas, como essa, que a senhora revela ao se preocupar comigo...
Mr. Overwall – (quase com espanto) Mas o senhor pretende mesmo permanecer solteiro o resto da vida? Não sente falta de dividir a vida com uma mulher e filhos?
Mr. Windflow – (rindo levemente) Eis a melhor resposta para essa questão e para a minha humilde decisão, Mr. Overwall. Sua pergunta responde tudo. A vida já é demasiadamente fragmentada pelas reflexões existenciais e pela luta da sobrevivência. Não nos sobra muito tempo para respostas sobre a nossa condição. É preciso que alguém se submeta a essa experiência para poder contar, de onde estou, o que é observar tantas famílias felizes em nossa sociedade. O que posso lhes dizer, meus amigos, é que a cada dia me sinto mais certo de minha condição, e nada me proporciona maior prazer do que vê-los tão bem e talvez por isso preocupados com a minha povoadíssima solidão...
sexta-feira, 28 de março de 2008
TEATRO
quinta-feira, 27 de março de 2008
LIVROS DE HISTÓRIAS
domingo, 23 de março de 2008
PEDRA FILOSOFAL 2
terça-feira, 18 de março de 2008
PEDRA FILOSOFAL 1
TEATRO
Mrs. Cagelover – Que lindos pássaros, Mr. Hunter! Gostaria de saber como mantém tantos bichinhos coloridos para alegrar suas manhãs!
Mr. Hunter – Meus pássaros são a minha mais valiosa coleção, Mrs. Cagelover! Quanto mais os tenho, mais os quero!
Mrs. Cagelover – O que o senhor pensa, Mr. Windflow? Não é uma alegria ter tantos pássaros nos terraços de uma casa?
Mr. Windflow – Acho uma pena, madame, aprisionar a beleza que, em sua essência, deve ser livre. Ao redor de minha casa, numa rua bastante movimentada, escuto os pássaros nas árvores durante o dia inteiro. Às vezes ponho alguns grãos em meu terraço e eles me fazem visitas, retribuindo com breves melodias e retornando à natureza...
Mr. Hunter – Ora, Mr. Windflow, não seja romântico! Colecionar pássaros, e de canto tão raro, é um gosto refinado e para poucos! Eis o amor à beleza!
Mrs. Cagelover – (olhando para as gaiolas douradas) – Sim, Mr. Windflow, não seja desagradável!
Mr. Windflow – (com o riso da inteligência) Perdão, minha senhora! É que no dia em que nós, os ditos civilizados, adorarmos os nossos pássaros como os indianos adoram suas vacas, ou seja, em liberdade, desfrutaremos muito mais da beleza de suas cores e de seus cantos. Esta é a nossa limitação: uma impossibilidade de liberdade que nos torna adoradores desses cárceres dourados em que a natureza é destituída de toda dignidade e talvez cante para não morrer de tédio ou tristeza.
Mr. Hunter (com o riso da superioridade) - Ora, ora, Mr. Windflow! Os indianos são adoradores primitivos! Não nos compare a eles, por favor!
Mr. Windflow (resignado) - Estou certo, Mr. Hunter, que o respeito dos indianos por suas vacas ainda é mais verdadeiro do que nossa admiração por qualquer pássaro que, notoriamente existindo para ser livre, é aprisionado apenas para um deleite egoisticamente desumano.
segunda-feira, 17 de março de 2008
O Andarilho
Friedrich Nietzsche
sábado, 15 de março de 2008
FÁBULA
quarta-feira, 12 de março de 2008
O RONRON DO GATINHO
Ferreira Gullar
O gato é uma maquininha
que a natureza inventou;
tem pêlo, bigode, unhas
e dentro tem um motor.
Mas um motor diferente
desses que tem nos bonecos
porque o motor do gato
não é um motor elétrico.
É um motor afetivo
que bate em seu coração
por isso faz ronron
para mostrar gratidão.
No passado se dizia
que esse ronron tão doce
era causa de alergia
pra quem sofria de tosse.
Tudo bobagem, despeito,
calúnias contra o bichinho:
esse ronron em seu peito
não é doença - é carinho.
terça-feira, 11 de março de 2008
TEATRO
Ms. Sanderson (quase tímida) - Os homens andam desprovidos dos dons da sensibilidade!
Mr. Windflow (sorrindo) - Fico lisojeado, senhoritas! Aceitam mais um champanhe?
Ms. Sunflower (sedutora) - Não se pode mesmo resistir ao senhor, Mr. Windflow! Pois saiba que será responsável pelo meu comportamento! E se eu me apaixonar?
Ms. Sanderson (rindo, tímida) - O senhor sabe como fazer uma mulher realmente adorá-lo!
Mr. Windflow (delicado, entre risos) - Ora, não se preocupem, vivam o dia de hoje! Afinal, quando chegar a hora, eu também saberei fazer vocês me odiarem...
segunda-feira, 10 de março de 2008
A PALAVRA SEDA
João Cabral de Melo Neto
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,
de cru, de cruel, de crueza,
que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.
sábado, 8 de março de 2008
quinta-feira, 6 de março de 2008
TEATRO
Mr. Worthing (fazendo um brinde) - Deus nos dá nossos parentes! Mas graças a Deus podemos escolher nossos amigos!
Lady Bracknell - Sr. Worthing, confesso que me sinto um tanto perplexa com o que o senhor acaba de dizer. Vir à luz ou crescer numa maleta de mão, tenha alça ou não, parece-me uma prova de desprezo pela decência da vida familiar que me faz lembrar os excessos da Revolução Francesa. E suponho que o senhor saiba no que deu esse lamentável movimento.
Lord Nelson (despertando de um cochilo) - A família é o inferno de todos nós, madame...
Mr. Worthing (irônico) - Minha senhora, a harmonia da qual a senhora fala é como um fosso de castelo aonde são despejados todos os detritos de seus moradores.
Lord Nelson (cochilando) - Hoje em dia seria uma fossa no quintal...
Mr. Worthing (conclusivo) - De qualquer maneira, eu ainda preferiria um quintal anônimo. Me horroriza a idéia de estar mergulhado numa fossa cujos detritos fossem de minha família. Seria como conviver com o pior de cada um deles...
Lady Bracknell - Estou horrorizada, Mr. Worthing!
Lord Nelson (despertando com um bocejo) - O Sr. é um otimista, Mr. Worthing...
terça-feira, 4 de março de 2008
AS CIDADES E O CÉU
- Qual é o sentido de tanta construção? - pergunta. - Onde está o plano que vocês seguem, o projeto?
- Mostraremos assim que terminar, agora não podemos ser interrompidos - respondem.
O trabalho cessa ao pôr-do-sol. A noite cai sobre os canteiros de obras. É uma noite estrelada.
- Eis o projeto - dizem.
Italo Calvino, in As Cidades Invisíveis
ORÁCULO
Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha,
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
Pablo Neruda
domingo, 2 de março de 2008
POESIA
MADRIGAL MELANCÓLICO
Manuel Bandeira
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento.
Graça que perturba e que satisfaz.
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O que eu adoro em ti, é a vida.