terça-feira, 18 de outubro de 2011


O CADERNO DE VIDRO
W.B. Leal


De sonho e de saudade a vida é feita.
E de silêncios, portos de chegada,
certezas e invenções que também são
o amor. Na madrugada dessa chuva,

o idioma da água me confirma
que só a tua mão é companhia,
que a estrada é o argumento para aqueles
que, perto como o dia que ora nasce,

têm só essa janela por distância -
essa janela onde a chuva escreve
e se repete em má caligrafia:
de sonho e de saudade a vida é feita.


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domingo, 9 de outubro de 2011


A BANDEIRA
W.B. Leal

I

Quando falávamos, sabíamos que a distância
era um passo a ser vencido,
mas todas as estradas não seriam maiores
que a pequena palavra que reacende o mundo.
Éramos então como um livro que aos poucos despertava
quando era tocado pela lembrança do outro.
Planejávamos a costura dos nossos desejos como
se desfaz um bordado e tudo precisa ser unido outra vez.
Eu contava os minutos em cada incêndio do sol
enquanto ela abandonava festas para escrever notícias
que me deixavam feliz como quem recebe um aceno.
As noites voltavam a ter sentido, a distância
encolhia seus braços e o meu corpo recobrava
o seu ritmo, o timbre da alegria que prenuncia uma dança.

II

Agora era o domingo a preparar com seu desenho
as colunas de uma enorme construção. Cinco dias
não são cinco anos, mas vergam sob o peso do mundo
quando alimentam um único desejo. Sabíamos que a semana
seria uma corrente de barcos num rio seco e lento,
haveríamos de encontrar outros dons, outros caminhos,
e a nós caberia o peso da invenção.
Faltaria em tudo, porém, o que apenas a falta sabe reclamar.
Cada sentença que a fome proclamasse
seria acatada pelo meu exército, e como um menino
que derruba soldados eu avançaria sobre o calendário.
O corpo aprendeu a resistir,
pois como na história de todas as guerras
a paz da bandeira era a tradução do seu nome.


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sábado, 8 de outubro de 2011


SEIS DIAS
W.B. Leal

Manhã de sábado.
A cidade engole o mar.
Simples como um desejo
outra fome alimenta
o corpo que lembra.
Caberia a Schopenhauer
ouvir a música da vontade
na doçura da razão.



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sexta-feira, 7 de outubro de 2011


O SATÉLITE
W.B. Leal

Para ser completo, o meu espelho
pede a tua companhia.
Para que ele exista tu precisas
ser feliz.

Quando o tempo passar
marcando o caminho com
as fogueiras de nossas memórias,
saberás que um dia

foste amada como o pássaro
que da cozinha eu escuto
e o seu canto é o aroma
que sobre a mesa floresce.

O sol agora é a notícia
que prenuncia o verão. Mas as ruas
ainda estão inundadas pelo
outono que lava sua ferrugem.

Nessa cidade que é menor
que a beleza que me ensina,
recupero os sapatos que o tempo
perdeu enquanto te procurava:

na madrugada das calçadas
vândalos riscam as paredes
e escrevem nomes e desenhos
como testamentos do nada.

Em algum outro lugar um homem quer
uma mulher enquanto sonha:
a sua rede é o sorriso de um terraço.
A vida é aquele menino que

brinca e não sabe que
como uma pipa o tempo foge
e dissolve o fio que entre os dias
costura botões.

Talvez sejamos só
essa certeza que à beira do abismo
é a rouquidão do silêncio. Mas claro como o sol
o teu nome é a música que eu escuto agora.

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quinta-feira, 6 de outubro de 2011


AS LETRAS AMOROSAS
W.B. Leal


Ela diz que está feliz
e que espera.
O seu dia avança em incontrolável
medida
e num paradoxo de números
dissolve-se mais rápido que o rio de Heráclito.
De tanto desejá-la
em minha casa pararam todos os relógios.
Na tarde esmaecida do Rio de Janeiro
eu também sou a paisagem que se apaga.
Pelas ruas onde passo imagino alfabetos
espalhados nas calçadas -
cada pedra portuguesa é uma letra que está viva -
e como num milagre
sigo o desejo que sempre forma o mesmo nome.
Ela diz que está feliz
e que espera.
Eu continuo a leitura
do livro da cidade.


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terça-feira, 4 de outubro de 2011


DOIS
W.B. Leal


Penso no
tempo. Penso
na corredeira de
luzes
em que a vida e
os meteoros se gastam
enquanto riscam calendários e
desenham nomes.

Posso recriar
lugares com as
ferramentas
da invenção
ou planejá-los
nos mapas e nos números
que o outono apaga.

Mas, não.
Hoje eu planejo
uma viagem
que reconstrói as corredeiras e
projeta no espaço
a permanência que é mais
que a sua certeza:
uma cidade
será sempre o encontro
de dois desejos.


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domingo, 2 de outubro de 2011



A ESTAÇÃO AZUL
W.B. Leal

Quando for sob os nossos pés a calçada de uma outra cidade que nos fará lembrar da estação, seja a alegria que se escondia nos trilhos o amor a nos fazer companhia - a alegria do mar, sempre espuma e explosão -, e sua delicadeza que era cor em tudo.

Quando formos novamente uma cidade ou todos os desejos que criarão em nós países particulares para nossa sobrevivência - um estado diferente de ser futuro e passado, uma praia ou um cuidado -, sejam o dia e a noite nossos exemplos de luzes contra o esquecimento da vida, esta partida e este sonho, silêncio e festa.


WBLog by appointment to her love and delicacy.